quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Maquiavel e a educação: a formação do bom cidadão



Maquiavel é popularmente conhecido por uma teoria política associada ao seu nome: "maquiavelismo". O artigo realiza um esforço inicial para afastar o pensamento maquiaveliano de semelhante concepção. Em seguida, faz uma análise detalhada de todas as ocorrências do termo "educação", num total de onze, na sua obra. A hipótese que orienta nossa reflexão é de que a educação é pensada por Maquiavel como uma força destinada a controlar a desordem inerente ao movimento tanto do desejo quanto da natureza impedindo os efeitos deletérios daquele sobre a vida política. Graças à educação, o homem é capaz de conhecer a "natureza das coisas", isto é, saber o que as coisas são "desde sempre" e, desta maneira, antecipar-se ao "curso das coisas ordenado pelos céus". Por fim, procuramos mostrar que, para Maquiavel, a educação possibilita moldar o comportamento dos indivíduos de tal modo que é possível redirecionar o curso das coisas para uma ordem coerente com o bem coletivo.
Acompanha Maquiavel a (má) fama de ser pai de uma doutrina política que carrega seu nome: "Maquiavelismo". Esta doutrina indica geralmente uma ação cínica da parte daquele que, sem qualquer escrúpulo moral, persegue unicamente os próprios interesses egoísticos e abomináveis. Por esta ótica, Maquiavel seria um diabólico especialista da trapaça, um conselheiro de tiranos que querem engrandecer a si próprios à custa do bem comum dos homens por eles governados, um inimigo da raça humana, de toda piedade e religião, o instrumento de Satanás. O que um pensador identificado com semelhantes ideias poderia ter a dizer sobre educação?
Talvez seja preciso começar desfazendo esta má-fama que acompanha o nome de Maquiavel. É o caminho que seguiram muitos intérpretes. Didática e esquematicamente podemos dividi-los em dois grupos principais: de um lado aqueles que recusam a acusação por ver no florentino o autor de uma moral política severa para com a conduta política; de outro os que excluem de seu pensamento toda referência moral. Como exemplo da primeira perspectiva podemos citar a obra de Leonard von Muralt; da segunda, o trabalho de Ernst Cassirer.
Segundo Leonard von Muralt (1945, p. 67-81), Maquiavel é o adversário mais declarado do maquiavelismo. Segundo ele, não apenas seria um equívoco chamar Maquiavel de pai da mentira, como o florentino desaconselharia abertamente a mentir, porque não ignoraria que a honestidade é a melhor diplomacia. Maquiavel de forma alguma poderia ser tido como defensor da tirania, pois acolheria como forma de governo ideal a república fundada sobre a justiça, defendida por um exército constituído pelos próprios cidadãos e regida pela lei. Ainda segundo von Muralt, Maquiavel não compartilharia uma ideia de virtù como pura concentração de força e astúcia, mas a subordinaria à bontà , à honestidade do cidadão. Igualmente, Maquiavel não desprezaria a religião, particularmente o cristianismo, pois a defenderia como componente imprescindível do Estado. Estaria longe de todo historicismo e relativismo moral, pois partilharia a ideia da existência de uma escala absoluta de valores. Enfim, o Estado desejado por Maquiavel seria um rechte Staat: uma república livre, igualitária e pacífica.
No extremo oposto dos defensores de Maquiavel contra a acusação de maquiavelismo estão aqueles que opõem ao destruidor da ética o técnico da ação, alguém que concebe a política como uma atividade situada fora do domínio da moral, "acima do bem e do mal". Ernst Cassirer é, talvez, o mais conhecido dos defensores da tese de que Maquiavel é um técnico frio sem compromissos éticos ou políticos, um analista político objetivo, um cientista moralmente neutro e desinteressado quanto ao uso de suas descobertas "técnicas", que podem servir tanto a libertadores quanto a déspotas.1 Para Cassirer, a atividade política se ajustaria tanto ao Estado legal quanto ao ilegal, não sendo imoral, nem moral. Ele simplesmente ofereceria a todos os soberanos, reais ou virtuais, legítimos ou ilegítimos, conselhos eficazes para estabelecer e manter o seu poder, para evitar as discórdias internas, para prevenir ou para triunfar sobre as conspirações. Maquiavel é apresentado como o profeta da técnica em política, o mestre do realismo amoral. O campo de preocupação de Maquiavel não seria a política em sentido normativo, e sim esta atividade humana no sentido puramente descritivo, de modo semelhante a um cientista social que descreve como funcionam de fato as realidades políticas. Indignar-se diante dos meios indicados para a fundação e conservação de Estados enunciados por Maquiavel estaria tão fora de lugar como repreender um físico que enuncia o valor de uma constante.
O quadro deixa perceber que a interpretação de Maquiavel como "maquiavélico" está longe de ser uma evidência. Tanto os que afastam sua obra de quaisquer preocupações éticas como os que a interpretam a partir desta chave destituem de legitimidade a leitura do maquiavelismo. Às duas correntes extremas poderíamos acrescentar ainda aquela que, em lugar de ler Maquiavel por estes registros, o liga às fontes do republicanismo clássico: um pensador que defende a subordinação dos interesses particulares ao bem púbico; que combate a tirania; que alimenta o desejo de atingir a glória e a honra para si e para a pátria. Entre os inúmeros intérpretes contemporâneos do chamado "republicanismo neo-romano", podemos destacar Quentin Skinner (1996).
Uma vez afastado o "fantasma" do maquiavelismo do coração do pensamento de Maquiavel, resta possível considerar pertinente que o florentino possa ter algo a dizer sobre educação. Por certo é uma perspectiva muito singular que nada tem em comum com uma "teoria pedagógica" à semelhança do que foi comum a outros pensadores do mesmo período influenciados pelo Renascimento. Uma constatação inicial, frustrante, é a quase completa ausência de publicações dedicadas especificamente ao tema. No máximo encontramos abordagens que tangenciam a questão, focadas particularmente na importância da educação cívica para a constituição de um Estado estável, como é o caso de Skinner.
A escassez de estudos dedicados diretamente ao tema da educação em Maquiavel talvez deva ser tributada ao próprio autor: o termo educazione está ausente de dois trabalhos célebres, O Príncipe e Histórias florentinas. Já nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio ela ocorre nove vezes, uma vez em Da arte da guerra e uma vez em Os Capítulos - Da Ambição. No presente estudo faremos uma análise destas onze ocorrências do termo na sua obra.
Levando em consideração o conjunto de suas referências à educação, seria possível identificar algo que pudesse ser uma "ideia diretriz"? Parece- nos que o sentido real do termo educazione é captado a partir do princípio essencial da visão maquiaveliana de que a totalidade das coisas, naturais e humanas, é atravessada por um movimento incessante: "estando as coisas humanas sempre em movimento, ou sobem ou descem" (DiscursosIntrodução, II).2 Para o florentino, os homens e as coisas são instáveis, o desejo não deixa nada em repouso. Cabe, pois, um breve exame deste aspecto.
Para Maquiavel, o homem é determinado, fundamentalmente, pelo dinamismo da necessidade natural do desejo que o impulsiona incansavelmente e sem qualquer controle interno. A característica essencial do desejo humano é sua imoderação e desmedida. O homem é insaciável, seu desejo se dirige a tudo e sem qualquer controle interno. Em duas passagens, e praticamente com as mesmas palavras, Maquiavel expressa esta ideia: "sendo os apetites humanos insaciáveis, porque tendo por natureza o poder e a vontade de desejar qualquer coisa e por fortuna o poder de conseguir delas pouco, resulta continuamente um descontentamento no espírito humano, e um tédio das coisas que se possuem" (Discursos II, Introdução).3
O desejo se mostra, assim, a mola propulsora de todas as ações humanas. Não há desejo que não seja ativo e não há ação que não seja desejada. Mesmo quando o homem parece estar agindo contra seu desejo como, por exemplo, quando entrega um bem sob ameaça, ainda assim é por um desejo que age: o desejo de preservar sua vida, que se impõe ao desejo de conservar seus bens.
O desejo, considerado em si mesmo, é potência presente. É sempre num agora e aqui que o homem deseja. Maquiavel aponta para a ambivalência inerente à própria estrutura do desejo: ele é potência, mas limitada; ou seja, "a natureza criou os homens de maneira que podem desejar qualquer coisa, mas não podem conseguir qualquer coisa" (Discursos I, 37). Desejamos tudo, porque não somos tudo, não somos Deus. Sempre nos falta algo. Assim, o desejo, como força finita, é vivido como carência infinita. Ele nada mais é do que a afirmação de uma força em seu esforço sem fim para durar e aumentar.
O desejo é sempre particular. É sempre um sujeito individual que deseja algo para si. É, pois, singular e tem em vista o interesse próprio. É devido a esta característica que o desejo opõe os homens entre si. Quer dizer, pelo fato de o desejo ser singular, ao satisfazê-lo se contrapõe ao desejo do outro. Assim, os homens se opõem entre si não porque são malvados, mas porque são rivais na consumação de seus desejos.
Além do fato do desejo, que coloca todas as coisas em contínuo movimento, notadamente aquelas que dependem da vontade humana, deve-se ter em conta que todos os corpos cumprem um ciclo vital que é determinado pela própria natureza. O ciclo vital da natureza é marcado pelas etapas pelas quais todo ser vivo passa: nascimento, desenvolvimento e morte. É assim na natureza vegetal e animal (corpos simples), mas é também do mesmo modo nos Estados e religiões (corpos mistos). Ambos, corpos simples e mistos, são regulados pelos mesmos fenômenos de saúde e doença. A "natureza" do corpo misto é semelhante a do corpo simples. "Natureza" para Maquiavel é princípio de movimento que emerge do fundo de cada ser: "a natureza, como os corpos simples, quando acumularam muita matéria supérflua, se move muitas vezes por si mesma e se purga dela, o que lhes devolve a saúde; [o mesmo sucede] neste corpo misto da geração humana" (Discursos II,5). A natureza como princípio do movimento entendido como variação é para Maquiavel uma verdadeira lei objetiva, "lei natural". Lei natural é "o curso das coisas ordenadas pelos céus" (Discursos III,1). O termo final necessário do curso das coisas é a degeneração: "nada é mais certo do que o fato de que todas as coisas do mundo têm um final" (Discursos III,1).
Temos, pois, duas ordens de movimento: aquele que emerge do desejo e o que brota da natureza. Ambos, caso se permita que sigam livremente o curso que lhes é próprio, levam à desordem: o desejo, não submetido ao controle da lei, causa a anarquia e a dissolução do vivere civile; a natureza, que segue um movimento "por necessidade", culmina na degradação definitiva de toda ordem visível.
A educação é pensada por Maquiavel como uma força destinada a controlar a desordem inerente ao movimento tanto do desejo quanto da natureza. Evidentemente, a educação não é capaz de conter o movimento. Afinal de contas, tanto o desejo quanto a natureza são propulsores de um movimento "necessário", quer dizer, inerente às coisas. Apesar disso, pode "ordená-lo" impedindo os efeitos deletérios à vida política. Graças à educação, o homem é capaz de conhecer a "natureza das coisas", isto é, saber o que as coisas são "desde sempre". Bem entendido, este conhecimento não é, para Maquiavel, uma descoberta da "essência" metafísica das coisas, e sim um saber sobre aquilo que há de permanente e regular no modo como elas ocorrem. Entendendo o movimento das coisas, o sujeito torna-se capaz de se antecipar ao "curso das coisas ordenado pelos céus". Significa dizer, pela educação o homem será capaz de manejar a realidade com maior facilidade para controlá-la e dirigir seus esforços no sentido de obter êxito. Por fim, a educação possibilita moldar o comportamento dos indivíduos de tal modo que o curso das coisas se redirecione para uma ordem coerente com o bem coletivo. Na sequência faremos um exame das passagens nas quais Maquiavel refere-se à educação para mostrar como ela promove esse conhecimento.
Comecemos pelos Discursos, obra na qual Maquiavel menciona o maior número de vezes a educazione. A primeira referência pode ser encontrada já na Introdução ao Livro I. Lamentado a negligência dos contemporâneos de servir-se das lições da história para a condução política, diz estar convencido de que a causa dessa falha
[...] procede menos da fraqueza (debolezza) à qual a educazione atual conduziu o mundo, ou do mal que um ambicioso ócio causou às muitas províncias e cidades cristãs, do que não haver um verdadeiro conhecimento da história e de não extrair dela, ao lê-la, seu sentido, nem experimentar do sabor que encerra. (Discursos I, Introdução)
Fica evidente a intenção de contrapor a uma leitura meramente contemplativa uma interpretação ativa e utilitária, a qual visa extrair lições do passado para aplicá-las ao presente e futuro, convertendo a história em instrumento de educação. Se os homens de Estado não se utilizam da história como mestra da vida, isso não se deve tanto a uma fraqueza da educação do que ao fato de enxergar na história nada mais do que um conjunto de fábulas maravilhosas. Somente um olhar guiado pela verdade poderá desvelar o sentido do útil. A culpa maior da educação reside em outra coisa: haver conduzido o mundo atual à "fraqueza" (debolezza). Esta fraqueza está associada ao "ócio". O ócio aparece em Maquiavel em três acepções distintas: como inércia (ou preguiça) que se opõe à energia (ou virtù); como licenciosidade decorrente da ausência de controle por oposição à força disciplinadora da necessidade; como a situação que oferece um excesso de possibilidades de escolha: o ócio torna os homens mais lentos em lhes oferecer uma quantidade de alternativas. A concepção maquiaveliana do ócio revela a influência que exerceu sobre ele o humanismo renascentista, que atribui um lugar secundário à contemplação (otium) e subordinado ao ideal da vida ativa (negotium). Na avaliação de Maquiavel, o ócio degenera os costumes e corrompe a vida política: "as razões da desunião das repúblicas, na maioria das vezes, são o ócio e a paz" (Discursos II,25).
A crítica à educação como promotora da debolezza será retomada por Maquiavel em outros dois momentos, sempre utilizando o mesmo termo para se referir aos efeitos produzidos pela educação nos seus dias. Assim, referindo-se aos seus contemporâneos, afirma: "Mas a fraqueza (debolezza) dos homens de hoje, causada por sua fraca (deboleeducazione e da pouca informação sobre as coisas, faz com que julguem os julgamentos dos antigos em parte desumanos, em parte impossíveis" (Discursos III, 27).
Assim como no fragmento anterior, também neste Maquiavel aborda a negligência dos contemporâneos de servir-se do ensinamento dos antigos para orientar as ações políticas. Na passagem em questão, Maquiavel discute em torno da estratégia mais adequada para a unificação de um Estado dividido por facções rivais e aponta três alternativas: exterminar os culpados; bani-los; ou fazer as pazes com eles. Mostra que, embora a segunda alternativa por vezes funcione (como no caso dos florentinos em relação à Pisa), o meio mais seguro é o primeiro. Por que, então, não é adotado presentemente pelos chefes políticos? A resposta está na passagem citada: o motivo está na debolezza dos homens e na debole educazione que faz com que eles considerem as lições dos antigos desumanas ou impossíveis.
A crítica maquiaveliana à educação dos modernos tem seu contraponto positivo no exemplo dos antigos romanos e é por esta razão que propõe a imitação destes como forma de recuperar a virtù perdida pela corrupção presente. De que "virtude" se trata? Trata-se da virtude cívica que corresponde não a uma qualidade moral do indivíduo, e sim à virtude cívica ligada à "[...] concepção clássica dos romanos que a identifica com qualidades tais como: simplicidade de costumes, moderação, coragem, patriotismo, disponibilidade a sacrificar-se pelo bem comum, etc." (PINZANI, 2006, p.97). Estas qualidades não são apropriadas ao aperfeiçoamento moral dos indivíduos, como é o caso na virtude cristã, e sim estão destinadas a formar um bom cidadão. Não formam um "homem bom", mas um "bom cidadão". Quais qualidades identificam um "bom cidadão" na concepção maquiaveliana? Em primeiro lugar, a subordinação do bem particular ao bem comum. A virtude cívica desenvolve nos homens à capacidade de servir a pátria até com a própria vida, se necessário. Em segundo lugar, à coragem: o cidadão dotado de virtude cívica não teme defender a cidade ou expandir seus domínios sempre que isso se mostra necessário para conservá-la livre. Em terceiro lugar, à religiosidade: o bom cidadão é temente a Deus o que faz com que respeite os preceitos legais como se fossem mandamentos divinos. Em quarto lugar, à repugna ao ócio: o ideal de homem está vinculado à vida ativa e produtiva e não à contemplação e meditação, como é para o pensamento medieval-cristão.
A virtude cívica está intrinsecamente vinculada à educação. Não são qualidades que o homem porta por nascimento, mas são cultivadas nele através de um processo formativo. A educação pode tanto formar homens dotados das virtudes imprescindíveis para ser um bom cidadão quanto pode fazer dele uma pessoa fraca e arrogante. De alguma maneira os homens são o que a educação fez deles. Ela molda o modo de ser dos homens:
Tornar-se insolente na boa fortuna e desprezível na má nasce do modo do teu comportamento e daeducazione na qual foste criado; esta, se é fraca (debole) e vã, te torna semelhante a ela; se é oposta, te torna também de outro tipo e, tornando-te melhor conhecedor do mundo, te fará alegrar-te menos do bem e entristecer-te menos do mal. (Discursos III,31)
A maneira como o homem encara o mundo é desenvolvido por meio da educação. Maquiavel recusa todo determinismo natural ou de qualquer outro gênero. Cada um é aquilo que a educação fez dele. Ser "fraco" ou ser "forte", isto é, ser determinado e corajoso ou débil e resignado, não é uma determinação natural, mas cultural; não é uma qualidade inata, mas cultivada. O fragmento não deixa lugar a dúvidas: a educação molda o comportamento dos indivíduos incutindo neles princípios e regras de conduta que determinam o modo como enfrentam o mundo. Dependendo da educação, os homens serão capazes unicamente de seguir o curso da fortuna. Mais ainda: pode levá-los identificar a "boa fortuna" com o talento, tornando-os "insolentes" no sucesso e desprezíveis no fracasso; quer dizer: pode fazer com que os homens imaginem que o êxito momentâneo é prova de sua capacidade e não fruto do acaso. Uma educação "fraca" incute nos homens ideias "vãs". Vãs são para Maquiavel ideias que levam o homem a uma atitude resignada frente ao mundo, que elevam o ideal da contemplação em lugar da ação, que cultivam o ócio em vez da virtù.
Esse argumento encontra seu fecho em outra passagem na qual Maquiavel compara a diferença de conduta entre antigos e contemporâneos, desta vez para estabelecer a causa da presença de maior amor à liberdade nos primeiros do que nos últimos:
Pensando de onde pode provir que naqueles tempos antigos os povos fossem mais amantes da liberdade do que nestes, creio que procede da mesma causa que faz os homens de hoje serem menos fortes (manco forti), o que creio estar na diferença da nossa educazione em relação à antiga, fundada na diferença entre a nossa religião e a antiga. (Discursos II,2)
A razão de os homens de hoje serem manco forti do que os antigos está na diferente educazione de uns e outros. Novamente, a debolezza dos homens provém da forma como são educados. Se os romanos eram povos fortes e corajosos não se deve a alguma qualidade peculiar à sua constituição física. Não existem povos etnicamente superiores em força e energia do que outros. Eles se distinguem entre si unicamente através de qualidades cultivadas pela educação. A virtude pode tornar um povo grande, não o acaso (fortuna). A virtude é ensinada; a fortuna é fortuita. Consequentemente, qualquer povo que tiver o mesmo apreço que os romanos pela virtude cívica pode chegar ao ponto que eles chegaram.
No fragmento acima Maquiavel se refere explicitamente à influência da religião na determinação do comportamento dos homens. A religião dos antigos fornece um "conteúdo" essencial ao processo formativo: o amor à liberdade. A fraqueza dos modernos e a exemplaridade dos antigos têm seu fundamento na diversidade radical de suas religiões e do conteúdo delas. Significa dizer que o mundo moderno tornou-se politicamente impotente por causa da religião cristã assim como o mundo antigo havia fundado sua exemplaridade sobre as qualidades específicas da religião pagã que lhe era própria. A primeira é mestre do ócio; a segunda da virtù.
Esta ideia é explicitada logo na sequência da passagem citada, quando Maquiavel argumenta que a liturgia do paganismo, diferente do aspecto humilde e delicado da cristã, era constituída de sacrifícios sangrentos "[...] e este espetáculo, sendo terrível, modelava os homens à sua imagem." (Discursos II,2 - grifo meu). A educação forma nos indivíduos hábitos que moldam suas condutas. A liturgia cheia de atos de ferocidade cultivava nos homens o espírito de fortaleza, de luta obstinada e de apego a este mundo, atitude bem oposta à fomentada pelo cristianismo, "[...] que glorifica mais os homens contemplativos do que os ativos". Assim, enquanto o sumo bem para o cristianismo está "[...] na humildade, na abjeção e no desprezo das coisas humanas", para os antigos está "[...] na grandeza de espírito, na fortaleza do corpo e em todas as coisas capazes de tornar os homens fortíssimos." (Discursos II,2). A consequência dessa educazione para a debolezza própria ao cristianismo é esta: "se nossa religião pede que tenhas fortaleza, quer dizer que sejas capaz de suportar e não de praticar um ato forte" (Discursos II,2). Esse modo de se comportar, conclui Maquiavel, "[...] parece que tornou o mundo debole e o converteu em presa dos homens criminosos." (Discursos II, 2).
É esse ponto que Maquiavel pretende ressaltar: as religiões não são inocentes em relação à sorte dos homens neste mundo. Elas incutem ideias que são assumidas como valores absolutos e, desta maneira, determinam o destino humano. O cristianismo, acusa Maquiavel, esvaziou do seu conteúdo real a ideia de "força" espiritualizando-a. Para o paganismo, "força" significava coragem e destemor para resistir ao inimigo, para lutar em defesa da pátria, para proteger a liberdade da cidade. Para o cristianismo, "força" é uma disposição interior para resistir aos desejos de glória e de grandeza mundana.
Quando o cristianismo esvazia o sentido originário dos valores ele condena os homens a serem vítimas de facínoras que não temem usar da força real, a força física, para submetê-los e dominá-los. A educação promovida pelo cristianismo, porque estimula a resignação, piedade e a fuga do mundo, é responsável pelo triunfo da tirania sobre a liberdade, de "[...] fazer com que não existam no mundo tantas repúblicas como antigamente e, por conseguinte, não se veja nos povos tanto amor à liberdade como naquela época." (Discursos II, 2).
Além dessa sequência de passagens em que Maquiavel se refere à educação como responsável pela debolezza da Itália daquele tempo e insiste na necessidade de espelhar-se nos exemplos dos antigos para recuperar a virtùperdida, apresenta outras em que ressalta a educação como força indutora de comportamentos desejáveis. A educação é uma atividade que desenvolve a virtù levando os homens à conduta adequada em relação às finalidades últimas da existência coletiva.
Uma primeira passagem nesta perspectiva é a que encontramos no começo dos Discursos. Opondo-se aos seus contemporâneos, que criticavam os tumultos que agitavam a república romana antiga, Maquiavel defende:
Não se pode chamar de modo algum com razão desordenada uma república onde existem tantos exemplos de virtù, porque os bons exemplos nascem da boa educazione, a boa educazione das boas leis e as boas leis daqueles tumultos que muitos inconsideradamente condenam. (Discursos I,4)
Maquiavel acentua o condicionamento recíproco entre a boa educação e as boas leis. "Boas leis" devem ser entendidas em sentido amplo compreendendo também as instituições estatais. A boa educação corresponde à virtude cívica que, vimos acima, diz respeito a qualidades como a simplicidade de costumes, moderação, coragem, patriotismo, disponibilidade de sacrificar-se pela pátria. Maquiavel ressalta aqui que a lei sem a virtude cívica promovida pela boa educação não produz efeito; a virtude cívica sem boas leis, por sua vez, é privada de finalidade.
Tão importante quanto o condicionamento recíproco entre educação e lei, é a circularidade entre os quatro elementos presentes no fragmento acima: exemplos, educação, leis e tumultos. O inovador no argumento de Maquiavel é a vinculação do surgimento das leis aos tumultos. Este raciocínio, porém, não autoriza a concluir que haveria um nascimento espontâneo das instituições, que faria da ordem da lei a solução automática da desordem dos dissensos de uma vez para sempre. Pelo contrário, por um lado os tumultos somente são férteis pelo perigo que representam e, portanto, o Estado sempre corre o risco de se arruinar; por outro lado, é sempre possível que as dissensões acabem em lutas partidárias que visam unicamente os interesses de seus chefes, como em Florença (História de Florença VII, 1-2); ou então degenerem em guerra civil, como foi o caso de Roma em decorrência dos desdobramentos das discórdias em torno da Lei Agrária (Discursos I, 37). As dissensões não são, pois, sempre boas. A consequência dessa constatação é a exigência de que as leis tenham já modelado a desordem. Com esta posição Maquiavel consegue resolver o dilema com o qual o confrontavam os críticos dos tumultos romanos. Com efeito, se existe uma pura desordem antes da ordem instaurada pela lei, então esta é apenas contingente e a grandeza de Roma deve ser atribuída unicamente à fortuna. Maquiavel descarta, porém, decididamente este argumento: "Não posso negar que a fortuna e a milícia foram razões do império romano, mas também me parece que quem diz tais coisas não se apercebe de que onde há boa milícia é preciso que haja boa ordem, e raras são as vezes em que deixa de haver também boa fortuna" (Discursos I, 4). Por outro lado, Maquiavel não pode nem negar a desordem sobre a qual a ordem se apoia, nem apelar a uma ordem superior que antecederia à desordem, pois descartou a tese do primeiro legislador virtuoso, como foi Licurgo em Esparta.
A força do argumento maquiaveliano está na circularidade: os tumultos romanos não devem ser condenados como pura desordem, porque não prejudicam a virtude. Os exemplos romanos provam que a virtude nasce da boa educação, esta das boas leis que, por sua vez, se originam dos tumultos. Em outras palavras, os tumultos não engendrariam boas leis se eles mesmos já não estivessem marcados pela virtude que dispensa estas leis. A desordem permite a ordem na medida em que a ordem já sempre antecede à desordem, mas sem impedi-la.
É, pois, efetivamente um círculo que faz com que a lei, nascendo dos dissensos, seja ao mesmo tempo aquela que deve mantê-los sob vigilância, modelá-los, de sorte que permaneçam férteis; plenos desta forma de virtù que faz com que as inimizades que nascem deles produzam necessidade e não ambição. Enquanto os desejos são "coagidos pela necessidade," as inimizades permanecem sãs e culminam em leis justas. Quando, porém, se "começa a combater por ambição", prevalece o uso de meios privados no interesse de uma só pessoa, família ou facção cujo resultado final é a destruição da república.
A mesma função modeladora dos costumes é atribuída à educação em outra passagem:
No caso de homens acostumados a viver em uma cidade corrompida, onde a educazione não tenha despertado neles nenhuma virtude (bontà ), é impossível que por alguma circunstância recuem em suas decisões, e para realizar sua vontade e satisfazer a perversidade de seu espírito estariam contentes em ver a ruína da sua pátria. (Discursos III,30)
No capítulo em questão, Maquiavel trata dos prejuízos que o "vício da inveja" pode causar ao bem público. Situa a educação como remédio a esse vício na medida em que é capaz de despertar alcuna bontà na mente dos homens. Quando falta essa bontà , os homens são capazes até mesmo de se alegrar ao ver a ruína de sua pátria. Chama a atenção o fato de Maquiavel conferir à educação e não à lei a força capaz de conter a derrocada do Estado. Parece que a lei só é eficaz em um Estado no qual prevalece a virtude. Quando esta se corrompe, a lei perde a capacidade de constranger a conduta dos homens.
Para Maquiavel, o ideal de perfeição do homem se alcança quando consegue colocar o interesse público acima do privado. Como a natureza passional do homem tende ao contrário, a educação desempenha um papel fundamental no sentido de refrear os impulsos egoístas levando-o a agir pelo bem público, mesmo quando suas ações rendem glória aos outros.
Na última referência à educação presente nos Discursos, Maquiavel enfrenta a questão: como explicar a diferença entre as condutas individuais e dos grupos? Ele remete a resposta à educação:
Isto [a diferença entre as famílias] não pode provir unicamente do sangue, pois este se mistura através dos diferentes casamentos, mas é necessário que resulte da diferente educazione de uma e outra família. O que importa muito é que uma criança desde os primeiros anos comece a ouvir falar bem ou mal de uma coisa, pois necessariamente receberá disso impressões e destas extrairá regras sobre o modo de proceder durante toda a vida. (Discursos III,46)
A educação age diretamente sobre indivíduos (e não grupos). Para Pinzani (2006, p.96), "[...] obviamente Maquiavel pensa in primis nos indivíduos: é a ambição destes que deve ser contida, é o amor à pátria destes que deve ser atiçado, é o egoísmo destes que deve ser superado, é o interesse pelo bem comum destes que deve ser despertado". Contudo, alerta o intérprete, estes indivíduos não vivem isolados, mas constituem famílias e formam um povo. É como membros de grupos que apresentam características inconfundíveis que se transmitem de uma geração a outra: "parece que entre uma cidade e outra certos modos e instituições diferem, criando homens mais duros ou mais efeminados. Contudo, na mesma cidade, percebe-se que tal diferença está nas famílias, que diferem uma da outra" (Discursos III, 46). Assim, continua Maquiavel, algumas são "duras e obstinadas", outras "benignas e amantes do povo"; outras ainda "ambiciosas e inimigas da plebe".
As diferenças entre os grupos humanos (famílias e povos) são determinadas não por fatores genéticos ("de sangue"), mas pelo costume fixado através da educação. A educação forma e modela determinado conjunto de caracteres singulares que se incorporam ao modo de ser dos indivíduos que pertencem a certo agrupamento humano a ponto de se naturalizarem. Paradoxalmente, a mesma força (a educação) que modela algum agrupamento humano a ponto de parecer imutável é também aquela que possibilita romper esta cristalização. Assim, ao mesmo tempo em que tudo parece previsível, pois dá a impressão de uma determinação plena dos comportamentos humanos em virtude dos valores inculcados no indivíduo desde a mais tenra idade, constatamos igualmente que a mesma força que moldou o comportamento é capaz de transformá-lo.
Com esta constatação retornamos à questão inicial: tudo está submetido à contínua mudança. Esta é fator de desordem. A ordem brota do esforço de regulação em que a educação desempenha função decisiva. A educação molda comportamentos, fixa a conduta em um caráter que se constitui para o indivíduo em uma espécie de segunda natureza. No entanto, por mais estável que tudo pareça, a própria educação que, por assim dizer, "cristalizou" o comportamento numa direção, pode romper a estrutura fixada e colocá-la em movimento outra vez.
Na referência à educação em Da arte da guerra Maquiavel acentua igualmente esse aspecto da formação moral do qual a educação está encarregada. Descrevendo, pela boca de Fabrício, as qualidades do soldado, pondera:
Acima de tudo, deve-se atentar para os costumes e que ele [o soldado] seja honesto e dotado de pudor, caso contrário se escolhe um instrumento de escândalo e um princípio de corrupção. De fato, não é possível esperar que exista alguma virtù de algum modo louvável em um homem que creia numaeducazione desonesta e tenha um espírito embrutecido. (Da Arte da Guerra, livro I)
O argumento de Maquiavel é de que os cidadãos são a defesa mais segura de um Estado. Por isso, sua crítica severa à utilização das forças mercenárias e auxiliares. A posição de Maquiavel favorável a um exército cidadão certamente não é bem interpretada se a reduzirmos à pura eficácia. Chabod, por exemplo, parece-nos que cai nesse equívoco, pois sustenta que Maquiavel não percebeu que, "[...] precisamente naqueles tempos, o mercenarismo militar supunha uma necessidade absoluta para os monarcas, dedicados a criar trabalhosamente os estados nacionais" (CHABOD, 1994, p.86). A insistência de Maquiavel na formação de um exército próprio decorre de sua concepção política: nenhum Estado alcança a grandeza sem um exército forte constituído a partir de seus cidadãos. A formação de um exército popular pode gerar nos cidadãos um conjunto virtudes essenciais à vida política: patriotismo, sentido de responsabilidade, solidariedade. Enfim, a educação para a vida militar forma no fim das contas o "bom cidadão": renúncia ao interesse próprio em favor do público, espírito de sacrifício, inclusive de morrer se necessário, moderação e cultivo de uma vida simples e sem luxo, sem ócio e costumes corrompidos.
Finalmente, a última das onze referências na obra de Maquiavel à educazione que nos falta comentar, presente no Capítulo - Da Ambição, volta o tema da força modeladora. Dessa vez, é conferida à educação uma energia capaz de suprir aquilo em que a natureza é falha:
E se alguém culpasse a natureza/ porque na Itália, tão aflita e cansada,/ não nascem pessoas tão corajosas e obstinadas,/ digo que isto não desculpa e livra/ a nossa covardia, porque a educazionepode suprir/ onde a natureza falha. (I Capitoli - Dell'Ambizione, vs 109-114)
Dentre todos os fragmentos analisados, este parece o mais expressivo em relação à capacidade modeladora da educação, inclusive em relação à natureza. Maquiavel sugere que ela tem a possibilidade de "preencher" as lacunas deixadas em aberto pela natureza. Esta última deixa de ser uma força inexorável para se transformar em matéria moldável pela educação. A natureza pode ser recriada, ao ser moldada pela educação, de acordo com as finalidades colocadas pela coletividade. Nada está definitivamente dado, sequer o que parece ser assim: a natureza.
Com esta posição, o pensador florentino dirige uma crítica severa aos seus conterrâneos, que pretendem desculpar-se pela divisão e desordem reinantes apelando a fatores que parecem incontroláveis como a natureza. O raciocínio dos conterrâneos de Maquiavel parece ser este: se a Itália está nesta situação caótica é porque foi preterida por alguma força sobrenatural em relação às demais nações fazendo com que não surjam homens "corajosos e obstinados"; a natureza foi ingrata com eles. Maquiavel, opondo-se a esta visão fatalista das coisas, faz recair toda responsabilidade sobre os próprios italianos. Nada "desculpa e livra nossa covardia": a divisão e desordem reinantes são fruto de decisões políticas equivocadas e não de uma natureza ingrata. "Coragem e obstinação" não são presentes dos céus. São frutos de uma educação para a cidadania que cultiva nos homens as virtudes imprescindíveis para a vida política. Estas qualidades não são boas em si ou porque podem ser instrumentos para o aperfeiçoamento moral dos indivíduos, mas porque fazem com que os homens sejam capazes de assumir a vida política como tarefa sua.
Podemos dizer que as virtudes cívicas cultivadas pela educação fazem de alguém um bom cidadão e não um homem bom. Um "bom cidadão", para Maquiavel, é alguém com hábitos de vida simples, coragem, patriotismo, disposição ao sacrifício pelo bem comum, etc. Um "homem bom", por sua vez, é aquele que possui um conjunto de qualidades morais em grau de excelência, tais como honestidade, senso de justiça, retidão de caráter, piedade, etc. Não há relação necessária entre as duas "bondades": é possível ser honesto, íntegro, justo, fiel e, no entanto, ser incapaz de sacrificar-se pelo bem público, de assumir os encargos públicos como tarefa sua. Se Maquiavel se interessa pelo "bom cidadão" e não pelo "homem bom" não é porque considera irrelevante o último, e sim porque, como pensador político e não teórico da moral, se preocupa com as condições de possibilidade para o estabelecimento de uma república estável e duradoura. As virtudes morais não têm valor em si, mas são relevantes na medida em que contribuem ou prejudicam a formação do bom cidadão.
Encaminhando nossa reflexão para a conclusão, podemos dizer que Maquiavel não refletiu sobre a educação na perspectiva de um "pedagogo" que oferece uma nova "teoria da educação" aos seus leitores. Escreveu numa perspectiva renascentista, que afirma o homem ativo e não o contemplativo como era a perspectiva dominante na tradição medieval-cristã. A partir de suas reflexões emerge um posicionamento que, mesmo não constituindo uma "pedagogia", oferece um conhecimento e observação dos costumes da vida social que revela uma clara ideia da educação como método próprio para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral imprescindíveis para assumir a vida política como tarefa de cada um.
Primeiramente, entende a educação como aquilo de que é permeada a matéria social. A educação é o condicionamento psicológico e moral que determina a vida humana individual e coletiva. É o conjunto de pressupostos teóricos, de juízos e convicções de toda ordem que regulam a vida dos cidadãos. Ela "forma" o cidadão ao inculcar nele a virtù cívica: o amor à pátria, a dedicação ao bem público, a subordinação do bem privado ao bem público. Está explícita aqui uma moralidade: Maquiavel condena como vício o ócio, a inveja, a ingratidão, o egoísmo e tudo aquilo que impede o homem de engajar-se na defesa da liberdade como bem coletivo. Importante frisar que estas qualidades são importantes porque contribuem para a estabilidade e permanência da república e não porque são atributos bons por expressarem a perfeição moral de um indivíduo.
Um segundo aspecto refere-se ao caráter intrinsecamente mutável de todas as coisas e a tarefa da educação na modelação do comportamento humano. A ação política, por estar inscrita no tempo, precisa "inventar" seu que fazer no instante mesmo em que se efetiva. Não existe teleologia inscrita na história. Como proceder para que este agir não seja destituído de rumo? Como é possível conhecer o "curso das coisas"? Como acertar nas decisões políticas? A condição na qual o homem de ação se encontra, no campo político, requer dele a faculdade não somente de "saber", mas de "saber prever" e, a partir destes dois "saberes", a capacidade de "saber-fazer", isto é, de estabelecer estratégias de ação voltadas ao êxito. A educação vem em socorro dessa necessidade. A história ensina que o comportamento humano é determinado por condutas que se repetem ao longo dos tempos, produzidas pelo condicionamento promovido pela educação. A educação molda o comportamento ao estimular os indivíduos a praticar valores e princípios. O estudo da história torna-se vital para conhecer esses modos de vida que se repetem, pois possibilita a previsão e a antecipação. É a razão pela qual Maquiavel insiste na necessidade da imitação dos antigos, pois neles estão modelos de conduta que se reproduzem na história e que, uma vez conhecidos, prestam-se para formular modos de ação voltados ao êxito.
Enfim, Maquiavel estabelece uma relação muito estreita entre a moralidade cívica e a vida política saudável: sem bons costumes não existem Estados solidamente instituídos. Por esta razão, quando os costumes se corrompem segue inevitavelmente a decadência política. Desta maneira, a moralidade dos cidadãos, compreendida como o cultivo das virtudes cívicas, não é um fator entre outros para a continuidade dos Estados, mas é o fator por excelência. É mais importante do que as próprias leis, pois onde falta a virtude cívica, as leis se mostram impotentes para restaurar a vida política.
Fonte: José Luiz Ames
Doutor em filosofia e professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)

Odemir Silva
Ciências Política

sábado, 17 de novembro de 2012

CONSEQUÊNCIAS DA VISÃO PEJORATIVA DA POLÍTICA PARA A DEMOCRACIA


Analisemos dois casos que atestam as conseqüências funestas advindas da visão negativa da Política pelo brasileiro médio:

1º) Quando, em 1993, foi julgado o pedido do ex-presidente Collor de não suspensão de seus direitos políticos, todo mundo afirmou que o STF só teria sua dignidade preservada se o julgamento do pedido não fosse um “julgamento político”. Qual é o paradoxo dessa afirmação?
A República Federativa do Brasil é formada por três poderes políticos distintos, e que devem ser autônomos: Executivo, Legislativo e Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, sendo um poder da república (do Estado), não pode ficar fora da Política. E quando os juízes afirmaram, na época, que fora um “julgamento legal”, esqueceu-se que as leis são elaboradas por outro órgão político, o Legislativo? Quem está com a razão?
Só para lembrar, embora o ex-presidente Fernando Collor de Mello tenha sido cassado pelo Congresso Nacional, em 1992, por corrupção em seu governo e perdido os direitos políticos por oito anos, em 1994 foi absolvido pelo STF por falta de provas! Hoje Fernando Collor é senador da República, eleito pelo estado de Alagoas.
São esses paradoxos que confundem e afastam o povo da participação política, mesmo porque a grande maioria vê a Política com certo moralismo e ingenuidade, o que
a distancia ainda mais de uma participação menos cândida e, sim, mais realista e ativa.

2º) Nas últimas eleições gerais para presidente, governador, senador e deputado estaduais e federais, o humorista Tiririca foi o deputado federal mais votado do Brasil, eleito com mais de um milhão e meio de votos. Outros três deputados subiram com ele. Foram votos de protesto, principalmente jovens descontentes com os políticos.
Não estamos aqui nem colocando a questão de que o humorista nem ler e escrever sabia e quase teve sua candidatura impugnada por isso. A honestidade e competência em Política não dependem necessariamente do grau de ensino. Mas esse tipo de voto de protesto atira no próprio pé ao não colaborar em nada para a melhoria da classe política, mas, ao contrário, piora. E muitos dos que vivem criticando os maus políticos e dizendo que “todo político é ladrão” acabam caindo em tais contradições práticas!
Fonte: Revista Ciência&Vida, Ano Vll, nº 75, outubro 2012, pag. 41
Odemir Silva

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NEM SEMPRE GARANTE A EXPRESSÃO DA LIBERDADE



A pesar de tudo e com todo o lixo de nossa história, que não é nem pior nem melhor do que o lixo da história de outras nações aqui pode observar e constatar uma coisa terrível: o papel de grande parcela dos meios de comunicação de massa, principalmente das redes de televisão, na (desin-) formação e divulgação de preconceitos sobre Política e os políticos. Se todos os organismos sociais e instituições tivessem a marcação cerrada que a mídia dedica aos políticos, certamente não ficaria pedra sobre pedra em nossa sociedade.
Desde o fim da ditadura militar essa parcela da mídia e vários jornais e revistas de circulação nacional têm tratado os políticos como inimigos públicos número 1, denunciando diariamente falcatruas, maracutaias, negociatas, compra de votos, fraudes em licitações, uma corrupção generalizada que assusta até o pai da mentira. Até aí, tudo bem. Os meios de comunicação devem denunciar mesmo.
Todavia, um ponto fica flagrante: os culpados que se destacam nos noticiários são os políticos, principalmente, da chamada “esquerda”. Empresários, o Judiciários, as redes de TV, as ONGs, as igrejas, mesmo os sindicatos, o crime organizado, as máfias, todos são tratados com menos rigor pela mídia, ou não recebem o mesmo tratamento prolongado de denúncia.
Há ainda um agravante. Muitas dessas denúncias ou caem no esquecimento depois de algumas semanas ou nada se comprova do que foi dito, ou ainda os acusados são inocentados depois de meses ou anos (a justiça é lenta), mas o estrago já foi feito. Foi o que levou o jornalista Paulo Henrique Amorim a chamar a grande imprensa de PIG (Partido da Imprensa Golpista).

Fonte: Revista Ciência&Vida, Ano Vll, nº 75, 10/2012, pág. 40

Odemir Silva
Ciências Políticas

terça-feira, 30 de outubro de 2012

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E ELEIÇÕES


O poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht disse: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Não lê, não ouve nem participa dos acontecimentos políticos. Não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem de decisões políticas”.
A cada campanha eleitoral que se inicia ficamos na expectativa de assistir a mais uma disputa acirrada entre os principais candidatos a diversos cargos públicos. Sempre levantamos a pergunta: e nós, de que lado estaremos? Como vamos participar de mais um pleito eleitora?
 Por onde andamos, nos deparamos com cartazes, faixas e santinhos dos candidatos jogados ao vento, e o que mais ouvimos são frases como: “política e coisa suja formam um par perfeito”, “a política é um antro de corrupção”, “esse país não tem mais jeito, vou anular o meu voto”, e por aí vai. O difícil nesse cenário de ceticismo e absenteísmo é convencer alguém de que Política é ma coisa importante e que o desencanto não pode justificar tudo.
Ninguém nega, por outro lado, que muitas vezes nos sentimos desolados, indefesos, incapazes de mudar alguma coisa, mas é por meio da participação dos cidadãos que se poderá dar um novo rumo à política no país e afastar a leva dos maus políticos que advogam em causa própria o de grupos privados que se apossam da coisa pública.
A hora é agora, porque “da ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”, conclui Bertolt Brecht.
Por isso, não faça de sua omissão a justificativa para dizer que as coisas estão como estão e continuarão tal qual. E para aqueles que ainda insistem em continuar dizendo com o peito estufado “eu não gosto de política”, cito:
“... hoje, o exercício da Política nas suas múltiplas dimensões, por qualquer pessoa, é um projeto contra o biocídio. É realmente um projeto contra o biocídio, a favor da vida em mim, no outro – da vida no planeta. Esse antibiocídio é um projeto muito mais amplo do que a minha vida exclusivamente individual. É uma recusa à idéia de que há uma banalidade na existência. Desse ponto de vista, para mim, ele é uma energia vital”.
Então, se você também assumir essa atitude, “eu não gosto de política...”, não adianta reclamar do país que tem. O compromisso também é seu para alterar o nosso quadro político para melhor.
Fonte: Revista Ciência &Vida, ano VII, nº 75, outubro de 2012, pag. 38

Odemir Silva
Ciências Política

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Resumo crítico sobre, “Caio Prado Júnior e o desenvolvimento econômico brasileiro”



Conforme João Antonio de Paula, Caio Prado Junior apresenta uma tese na faculdade de direito da Universidade de são Paulo para concorrer à cátedra de economia Política em 1954. Prado desenvolveu vários trabalhos importantes na área das Ciências sociais, sendo esse material um instrumento analítico para o marxismo.
Penso eu que por ter um conhecimento profundo na área das Ciências Sociais Prado desenvolve um pensamento de esquerda, pois no decorrer do seu trabalho observo que visa a questão social. Começando por “entender a colonização portuguesa, a presença e a empresa portuguesa na América...”. Portanto partindo desse pressuposto a colonização aqui foi um desastre para os nativos dessa terra.
Segundo Antônio sua crítica não esta em torno da tese de Prado “Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira”, pois passado cinqüenta anos é possível estudar essa tese, pois a leitura de Prado estava correta e vislumbram hoje como uma profecia, que acompanhou um período difícil no Brasil dos anos pós 1954.
 Antônio cita que “em 1954 foram publicados no Brasil dois livros fundamentais para a economia política brasileira: Economia Brasileira, de Celso Furtado, e Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira, de Caio Prado Júnior”,  esse livros conforme Antônio “são manifestações” do tempo em que, segundo penso eu, é percebido que a desigualdade econômica da época não são causas naturais e sim reflexo de uma administração onde impera raízes imperiais.
Através dos trabalhos de Raul Prebisch na CEPAL, “abriram-se uma temporada de contribuições decisivas para a construção de uma teoria do desenvolvimento econômico”, acredito que essas literatura contribuíram para que Caio Prado Junior e tantos outros tivessem como apoio sua teoria e avançasse no desenvolvimento de um conceito para o desmembramento do domínio imperial, que perdurou por longos anos nos países invadidos pelos europeus.
Me chama a atenção de um livro “Riquezas e Pobrezas das Nações” de David Landes, onde segundo Antônio contribuiu para “resistir o capitalismo”, porém me parece que Lande não era tão socialista como parecia. Após a segunda guerra é evidente uma crise em vários países principalmente nos mais pobres, despertando para pensar-se em uma forma de conduzir o país num momento tão crítico.
Nesse contexto como diz Antônio há importantes contribuições extraídas da tese de Prado;
a) pela ampla mobilização de conhecimentos históricos que realiza;
b) pela consistência e segurança da argumentação;
c) pelas implicações políticas que decorrem de sua análise;
d) pela compreensão de conjunto da realidade econômica brasileira.
Prado argumenta que independente do desenvolvimento depender das importações, penso eu, não temos ainda uma forma econômica de administrar nossas riquezas pois ainda dependíamos de bens que vinham de fora do país , portanto com condições de gerar riqueza para o próprio país ficávamos dependendo do capital de fora e logo então vivíamos a teoria da dependência.
Lendo esse artigo percebo que Prado era realmente esquerda ao ponto de debater com economistas “brasileiros e estrangeiros”, levando em consideração nesse debate o “...a deterioração dos termos de troca, a validade e eficácia do planejamento econômico, as fontes de financiamento para o desenvolvimento, a importância do mercado interno e dos capitais externos no processo de desenvolvimento.” Com essa postura percebo que Prado é um “marxista praticante”.
Penso que através de Prado e principalmente em um período de transformações no Brasil foi possível introduzir o marxismo na classe mais elitistas apesar de que em pouco tempo adentraríamos em um processo de “Ditadura” onde ficaria difícil para propagar essa idéia, mas penso eu, que os intelectuais daquela época ao lerem Prado se conscientizaram da importância da prática dessa teoria marxista, que percebo que seria a descentralização do poder econômico centralizado no governo e distribuir de forma igualitária essa riqueza entre as classes mais pobres do país.
Porém como disse anteriormente após 1964, o Brasil toma outro rumo e infelizmente os militares vende o país e torna-o escravo de grandes potências fazendo que o país se afundasse cada vez mais, “para buscar servir à dívida externa, que cresceu significativamente a partir de 1981, em decorrência da elevação dos juros dos títulos da dívida pública norte-americana...”, devido a essa circunstância o Brasil aumenta a produção interna defasando o trabalhador e foi onde gerou a insatisfação do povo e culminou em “Diretas Já”, penso assim, pois fazendo a leitura desse artigo e montando o quebra cabeça da história vejo a evolução do capital brasileiro hoje, com um governo igualitário.
Conforme Antônio Prado morre, porém vê que não estava tão distante assim até porque percebo que o autor do artigo cita vários países onde se propagou essa tese de Prado ainda que por outros pensadores mas que surtiram efeitos de forma que serviu de exemplo para Prado, e que hoje percebemos que a sua teoria de muitos anos atrás esta em prática no Brasil, ainda que com muita dificuldade principalmente no contexto político, e por termos em nossas raízes o imperialismo que ficou do tempo da colonização do nosso Brasil.

Odemir Silva

Foto no Facebook mostra PM dando “bronca” em alunos em escola de SP


Foto: Reprodução/ Facebook


Nesta quarta-feira (24), um policial militar entrou sem autorização em uma sala de aula do ensino fundamental do CEU Parque Bristol, na zona sul de São Paulo, para repreender alunos que estariam chamando os policias de "coxinha" pela janela.
Uma foto do momento da "bronca" foi divulgada no Facebook e compartilhada por mais de 1.600 pessoas até a publicação deste post. Nos comentários, há relatos de que o policial teria ameaçado e coagido os alunos.
No perfil Mães de Maio há o seguinte texto acompanhando a foto: "... as crianças mexeram com eles pela janela chamando-os de 'coxinha'. Isso foi o suficiente para eles invadirem a escola, entrarem nessa sala de oitava série e cometer atrocidades como ameaças de morte, coação, engatilhar armas, humilhá-los, chamá-los de marginais, enfim...atitudes dignas de homens 'corajosos'. Esse é nosso pais. Essa escola é municipal. CEU EMEF Parque Bristol".
A Secretaria Municipal de Educação confirma que o policial entrou na escola para repreender os estudantes sem pedir autorização. A SME comunicou o fato à SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado) e a gestora da unidade entrou em contato com o 46º Batalhão da Polícia Militar logo após o ocorrido.
De acordo com o setor de Comunicação Social da PM, "o secretário Antonio Ferreira Pinto determinou que a ocorrência seja rigorosamente investigada pela Corregedoria da Polícia Militar". A nota divulgada pela PM também afirma que "a SSP não tolera abusos de policiais e, se confirmadas as denúncias, eles serão afastados e punidos". (vi no Facebook).

Fonte: Portal Yahoo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Olhares sobre a América Latina


As elaborações da CEPAL e a teoria da dependência na perspectiva de Fernando Henrique e Enzo Falleto

Conforme Renato Perim Colistete em seu texto sobre O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos e influências no Brasil. Observo que há uma contribuição para a reflexão assimétrica entre países que compõe o sistema mundial, “a teoria do subdesenvolvimento elaborada pela CEPAL alcançou grande sucesso na América Latina. No Brasil em particular, esse sucesso ocorreu não só entre policy makers, mas também entre empresários industriais e, ao longo do tempo, no meio acadêmico”. Pag. 21. A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) que é formada por pensadores Latino – Americanos desenvolveu uma estrutura conceitual própria que futuramente legitimaram as propostas de política econômica e esse conjunto de teorias deu substância ao desenvolvimentismo cepalino, que propunha que a industrialização apoiada pela ação do Estado seria a forma básica de superação do subdesenvolvimento latino – americano, pag. 21
Conforme Perim “o objetivo do autor neste artigo é exatamente o de discutir as questões antes indicadas: primeiro, até que ponto o sucesso do desenvolvimentismo cepalino esteve associado à estrutura teórica elaborada pelos autores da CEPAL; segundo, de que forma a teoria cepalina pode ter influenciado o pensamento econômico brasileiro subseqüente?”, pag. 22.
A CEPAL aparece na América – Latina e logo começa a desenvolver um ótimo trabalho que é colocar ordem na casa, até porque o cenário do Brasil nesse momento é de muita confusão, pois o país esta saindo de um momento de domínio e vislumbra em uma liberdade para o mundo de então, só não esperava que num futuro próximo retardasse todo o seu avanço, isto foi em 1964.
Portanto o autor do texto apresenta essa dificuldade do Brasil, que estava saindo de um estado de inferior e indo para um superior, e ressalta que o atraso seria justamente essa dependência da Europa ou dos Estados Unidos e que um avanço na economia seria justamente a libertação da dependência desses países.
O desenvolvimento que é preciso em qualquer sociedade será com a sincronia do país com a sociedade e nela uma política que possa conduzir as situações para um crescimento socioeconômico, a Cepal tem esse papel de estudar e dar as diretrizes para que a sociedade possa desenvolver de forma igualitária, estudando os fenômenos existentes na sociedade, “a importância dessa questão está no fato de que dificilmente a CEPAL teria tido o impacto que teve se as suas propostas de políticas econômicas não estivessem fundamentadas em uma teoria razoavelmente consistente, plausível e relevante para a realidade latino-americana”. Pag. 22
O subdesenvolvimento conforme o escritor do texto na pag. 23 diz que “o ritmo de incorporação do progresso técnico e o aumento de produtividade seriam significativamente maiores nas economias industriais (centro) do que nas economias especializadas em produtos primários (periferia), o que levaria por si só a uma diferenciação secular da renda favorável às primeiras. Além disso, os preços de exportação dos produtos primários tenderiam a apresentar uma evolução desfavorável frente à dos bens manufaturados produzidos pelos países industrializados. Como resultado, haveria uma tendência à deterioração dos termos de troca que afetaria negativamente os países latino-americanos através da transferência dos ganhos de produtividade no setor primário-exportador para os países industrializados”.
É importante marcar esse momento devido a diferença de centro e periferia e que a CEPAL esclarece o papel de ambos, “... a expansão das indústrias de bens de capital nos países centrais estaria relacionada a inovações técnicas e reduções de custo, que teriam um efeito positivo sobre a produtividade, os lucros, a demanda de empregos e novos investimentos em máquinas e equipamentos. Sob essa perspectiva, portanto, o núcleo da geração e difusão do progresso técnico seria menos a indústria em geral do que a indústria de bens de capital, tornando-se o desenvolvimento dessa última um requisito importante para a superação da condição periférica”. Pág. 26
Portanto penso eu que essa situação de desconforto que foi gerada, até porque foi preciso, pois a sociedade estava em pleno desenvolvimento foi passageira e vivemos outra realidade e que já foram superadas muitas coisas que surgiu nessa dinâmica e continuamos em intenso desenvolvimento, porém as estruturas podem mudar para que a dinâmica não pare. Penso que a condição para essa estrutura pode ajudar e muito e para isso é necessário que haja uma política que atue de forma energética.
Na visão do autor do texto Renato Perim Colistete, as relações que as classes dominantes estabeleceram com os países centrais foram de apenas tê-los como parceiros dentro do desenvolvimentismo que estava passando o Brasil, e também o crescimento fez com que amadurecessem as relações internacionais, pois agora estava saindo de um país dependente para em breve comemorar sua libertação do imperialismo tanto europeu quanto dos Estados Unidos.
Conforme Perim, “uma perspectiva similar das estruturas pode ser encontrada em diferentes correntes do pensamento econômico brasileiro. Segundo diversas variantes da teoria da dependência, por exemplo, as estruturas econômicas, sociais e políticas herdadas do período clássico (agro-exportador) da dependência condicionadas trajetórias subseqüentes e podem, no máximo, dar lugar a novas formas de dependência (nova dependência, industrial-periférica, associada-dependente), pág. 28.
A atividade agrária foi vista pelo o autor como uma área que precisava da industrialização, e que através de investimentos do imperialismo houvesse um crescimento socioeconômico na região, porém surgi também a exploração da mão de obra e que as classes sociais se compuseram para reivindicar seus direitos sobre as terras dominadas, conforme a página 28, “na teoria cepalina, a dominância do setor primário-exportador reproduz baixo progresso técnico, deterioração dos termos de troca e a condição periférica. Na teoria da dependência, as diferentes formas de inserção internacional geram a impossibilidade de um desenvolvimento autônomo e genuíno. Na teoria do capitalismo tardio, as forças produtivas se desenvolvem e dão lugar à plena autodeterminação do capital quando são instaladas as indústrias do setor de bens de produção”.
Conforme o texto de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, “Repensando Dependência e desenvolvimento na América Latina” o atraso que se encontrava no Brasil era devido o não investimento de empresas estrangeiras para produzir capital aqui e que era preciso avançar fazendo alianças com o imperialismo Americano ou até mesmo Europeu, fazendo assim haveria o desenvolvimento tanto almejado e na verdade seríamos o país periférico junto com os demais da América – Latina e essa situação não seria passageira e sim se estabeleceria a dominação do imperialismo, como foi tentado em 64 e perdurou por vinte longos anos.
Para os autores a dependência seria a solução tudo por causa do capital estrangeiro, que de certa forma não podemos negar que a sua inserção promoveu o avanço industrial, porém também promoveu a dependência do imperialismo que foi no meu ponto de vista pior, uma vez que a política era capitalista.
Na relação agrária e industrial observo que a estratégia é a mesma, porém ficaria na periferia sem avanço, pois com a industrialização do setor a riqueza produzida seria enviada para fora do país e o Brasil ficaria em um estado de pobreza, no meu ponto de vista, pois imperaria o domínio dos soberanos e mais uma vez continuaríamos devedor.
Finalizando essa reflexão e reconheço que com muitas falhas até porque a complexidade do assunto dificulta o meu raciocínio e me vejo na necessidade de ler outros autores ou pensadores da época e até contemporâneo para melhor compreensão, porém no começo até tentei extrair do texto algumas bases, mas no meio do caminho me vi perdido, preciso estudar mais sobre o assunto para fazer uma reflexão mais apurada.  Mas observei que o texto sobre as elaborações da CEPAL tem maior consistência no que se refere o social e já na reflexão sobre o texto do sociólogo Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, percebo que há uma divergência, uma distância do que a CEPAL propõe, é como se FHC e Faletto, propusessem outra teoria por cima da já existente.

Odemir Silva