quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

A necessidade da politização do cidadão



Por Odemir Silva

 

No seu livro “Introdução à ciência política”, Darcy Azambuja deixa claro que a ciência política serve, ao mesmo tempo, “para compreender a sociedade, para entender a política e para auxiliar a organizar a própria política, ao dar bases para a ação e a legislação”. Se estivermos condenados à vida em sociedade, logo, à presença da política, poucas ciências serão mais profundamente úteis.
Platão e Aristóteles são considerados os “pais” da ciência política. Platão [...] procura construir o Estado ideal, onde os governantes seriam filósofos e os filósofos seriam governantes. Aristóteles [...] também procura descrever o bom governo, mas parte da observação de realidade política [...] A idade Média trouxe a contribuição d pensamento cristão [...] Santo Agostinho e Santo Tomás, além de outros teólogos católicos, enunciaram teorias e observações que a ciência política não pode ignorar [...].  

 

Maquiavel [...] expõe a “arte de conquistar, manter e exercer o poder”; não pregou como geralmente se supõe a imoralidade em política, mas analisou a realidade e tirou as conclusões que lhe pareceram acertadas. Montesquieu [...] usou a observação sistemática, histórica e comparativa, e divulgou o princípio da divisão do poder, inspirado em Locke.Tocqueville e August Comte [...] são os dois maiores nomes do século XIX. Daí por diante, as obras sobre política são numerosíssimas, com orientações e métodos diversos. Depois da Primeira Guerra Mundial, e, sobretudo de 1945 em diante, a ciência política inicia a fase positiva e se oficializa nas universidades. Rica e variada atividade, na teoria e na pesquisa, renova e amplia o campo do conhecimento político.
Segundo Aristóteles “O homem” é por natureza, animal político. Tal afirmação não significa apenas a necessária socialização da vida tendo em vista assegurar a proteção mútua dos indivíduos e a cooperação no trabalho, porque isso, também os animais podem fazer, portanto dizer que o homem é “um animal político” significa que, antes de ser uma associação econômico-militar, a associação política, isto é, o Estado, é de natureza ético-jurídica e a finalidade da política consiste em organizar a sociedade de tal modo que nela seja possível a cada cidadão viver uma vida virtuosa e feliz e não apenas materialmente confortável.
Interessante que a existência humana é essencialmente política porque o homem é dotado não só de linguagem, mas principalmente de logos. A linguagem não é a simples capacidade de expressar pensamentos, desejos ou sentimentos que, como tal, os animais também possuiriam. Para Aristóteles ela é antes de tudo logos no sentido de discernimento. Este consiste sobretudo na capacidade de distinguir racionalmente o útil do inútil, o bem do mal, o verdadeiro do falso, a justiça da injustiça e de chegar a um consenso quanto a essas noções.

 

O logos designa assim o fundamento da capacidade prática de se orientar em um mundo histórico e contingente, libertando-se das paixões e dos interesses pessoais, chegando a um acordo com os outros mediatizado pela visão da verdade, isto é, particularmente, do verdadeiro bem. Por essa via a política se dá como uma prática racionalmente orientada para a construção e manutenção do bem comum e, como tal, exige certa ciência. A verdadeira sabedoria, portanto, de ordem prática, é um saber fazer o bem, e a política diz respeito ao bem último que convém ao homem conhecer e buscar.
Portanto, o ser humano que vive em busca da felicidade precisará da filosofia que se encontra obrigada a definir que tipo de sabedoria seria necessário desenvolver para determinar esse bem e as formas de alcança-lo, no plano individual essa sabedoria se chama ética, no plano social, política. Que determina, entre os saberes, quais são os necessários para as cidades e o tipo de sabedoria que cada classe de cidadão deve possuir.

 

Sendo assim a política “se serve das outras ciências práticas, legislando sobre o que é preciso fazer e do que é preciso abster-se; assim sendo, o fim buscado por ele deve englobar os fins de todas as outras, donde se concluir que o fim da política é o bem propriamente humano”.

Continua...









quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Por que o Socialismo? – Por Albert Einstein

Por Odemir Silva
Por que o Socialismo? ¹
Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos econômicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.
Consideremos antes de mais nada a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenômenos, de modo a tornar a interligação destes fenômenos tão claramente compreensíveis quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem.
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A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são frequentemente afetados por muitos fatores, e esses são muito difíceis de serem avaliados separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente econômicas por natureza. Por exemplo; a maioria dos principais Estados da história devem a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.
Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassamos de fato o que Thorstein Veblen² chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os fatos econômicos observáveis pertencem a essa fase, e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objetivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência econômica no seu atual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro.
Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adaptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.
Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afetam a organização da sociedade.
Inúmeras vozes afirmam há algum tempo que a sociedade humana está  passando por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supranacional ofereceria proteção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”
Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamentos dolorosos de que sofre tanta gente nos dias atuais. Qual é a causa? Haverá uma saída?
É fácil levantar estas questões, mas é difícil respondê-las com certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do fato de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.
O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantes, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo caráter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidade que finalmente emerge, é largamente formada pelo ambiente em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pelas tradições dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstrato de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações diretas e indiretas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indivíduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões de pessoas, passados e presentes, que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.
É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um fato da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido, ao mínimo pormenor, por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as inter-relações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo, o pensamento e a vontade conscientes, podem desempenhar um papel.
O homem adquire a origem, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adota da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa, das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto infligido.
Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do fato de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objetivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente autossuficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo atualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.
Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protetora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência econômica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza, mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo ingênuo/infantil, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.
A anarquia econômica da sociedade capitalista, como existe atualmente, é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho coletivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo, bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.
Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exatamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.
O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das seções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objetivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.
Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia atual não difere muito do capitalismo “puro”.
A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e que iram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe frequentemente um “exército de desempregados”. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente.
Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.
Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objetivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa atual sociedade.
No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas sócio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder econômico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?
A clareza sobre os objetivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas atuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.
¹- Artigo escrito por Albert Einstein especialmente para o primeiro número da revista norte americana Monthly Review, Nova Iorque, Maio de 1949. Posteriormente, foi publicado em maio de 1998 para comemorar os cinquenta anos do primeiro exemplar do Monthly Review.
² – Veblen, Thorstein Bunde (1857-1929), economista e sociólogo norte-americano, segundo o qual as instituições da economia são influenciadas por dois instintos de base, o instinto artesão e o instinto predador. Pelo primeiro, o homem enriquece-se pelo seu trabalho, enquanto pelo segundo procura desapossar os outros dos seus bens e dos resultados do seu trabalho.
Tradução(inglês-Português) de Ademir Fábio Quinot Ströher.
Fonte Original em Inglês: Monthly Review

O que fazer para seu filho não se tornar racista

Por Odemir Silva

Po Bronson e Ashley Merryman, autores do livro ‘Filhos – Novas Ideias sobre Educação’, explicam o que você não deve fazer se o seu maior medo é ter um filho racista
Se o seu maior medo é ter um filho racista, eis o que você não deve fazer: dizer que todo mundo é igual.
Fingir que não existem diferentes cores de pele, etnias e religiões pode ter o efeito contrário do que você imaginava.
Deixa a criança confusa – afinal, ela vê que existem cores diferentes.
E cria seus próprios padrões de superioridade dentro daquela pequena cabeça abarrotada de conceitos que não consegue entender.
É o que dizem Po Bronson e Ashley Merryman, no livro Filhos – Novas Ideias sobre Educação:
“É tentador acreditar que, pelo fato da nossa geração ser tão diversa, as crianças de hoje vão crescer sabendo como lidar com gente de todas as raças. Mas muitos estudos mostram que isso é mera fantasia.”
Uma das pesquisas americanas em que os autores se baseiam mostra que mesmo em escolas modernas, com gente de várias origens, apenas de 8% a 15% dos estudantes consideram seu melhor amigo alguém de outra raça.
Isso, segundo os autores, poderia ser resolvido de forma simples: conversando desde cedo sobre o assunto.
Explicando, por exemplo, que existem peles claras e outras escuras, mas que pessoas com ambas as cores dão ótimos médicos ou engenheiros.
Outra pesquisa mostra que 75% dos pais que se consideram brancos nunca falam sobre raça com os filhos.
E quando começam, pode ser tarde demais: depois dos 8 anos é bem mais difícil alterar preconceitos.
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Quem lê livros não só é mais culto, mas também é o melhor tipo de pessoa para se apaixonar

Por Odemir Silva
Você provavelmente já conhece os inúmeros benefícios que a leitura pode trazer para sua vida.
Mas e se eu te falar que a experiência é tão significante que podemos até mesmo comprovar, com argumentos científicos, que as pessoas que leem são as melhores pessoas para se viver uma paixão?
Foi exatamente isso que a escritora norte-americana Lauren Martin fez ao publicar, no site doElite Daily, o seu artigo “Why Readers, Scientifically, Are The Best People To Fall In Love With” (em português: “Por que os leitores, cientificamente, são as melhores pessoas para se apaixonar”).
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Para te ajudar a entender o porquê dessa afirmação, separamos os melhores trechos do texto de Lauren. Confira.

“Você já leu um livro até o fim? Realmente até o fim? Capa a capa. Fechou-o com aquela sensação de voltar lentamente à realidade? Você suspira fundo e fica ali, sentado. Com o livro em suas mãos…”
“É como se apaixonar por um estranho que você nunca verá novamente. O desejo e a tristeza que sente por um caso de amor que acabou dói, mas ao mesmo tempo você se sente saciado, cheio pela experiência, a conexão, a variedade que surge após digerir outra alma. Você se sente alimentado, mesmo que por pouco tempo.”
É assim, comparando as emoções vividas em uma paixão com o processo de terminar um livro, que a autora começa a explicação para a sua afirmação. Mas a “teoria” também tem base científica.
De acordo com estudos de 2006 e 2009, publicados por Raymond Mar, psicólogo da Universidade de York, do Canadá, e por Keith Oatley, professor de psicologia cognitiva na Universidade de Toronto, quem é um profundo leitor de ficção possui maior capacidade de empatia e de desenvolver a chamada “teoria da mente”, que é a habilidade de aceitar outras opiniões, crenças e interesses, além de seus próprios.
Ou seja, os leitores são mais capazes de considerar outras ideias sem rejeitá-las e, mesmo assim, manter as suas próprias. Para ter essa característica pessoal, a autora acredita que é preciso ter uma boa “diversidade de experiências sociais” e a falta dela é provavelmente a razão para seu “último companheiro ser tão narcisista”.
A explicação para o leitor ser mais desenvolvido na “teoria da mente” é a de que ele vivencia experiências através de outros olhos, vendo o mundo de outra perspectiva e absorvendo sabedoria de cada uma delas.
“Eles aprenderam como é ser uma mulher, e um homem. Eles sabem como é ver alguém sofrer. Eles são maduros, sábios.”
Para reforçar a teoria, a autora ainda se baseia em um estudo de 2010, também de Raymond Mar, que diz que quanto mais histórias foram lidas para uma criança, mais aguçada é a “teoria da mente” dela. A criança torna-se mais sábia, adaptável e compreensiva.
“Porque ler é algo que molda você e aumenta o seu caráter. Cada triunfo, lição e momento crucial da vida do protagonista se tornam seu.”
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Confira os principais argumentos

“Eles não vão falar com você. Eles vão conversar com você.”

Segundo o artigo, os leitores escreverão cartas e versos. São eloquentes no bom sentido, não dão respostas simples, mas apresentam pensamentos profundos e teorias intensas, encantando com o conhecimento de palavras e ideias.
“Faça um favor a si mesmo e namore alguém que realmente saiba como usar a língua.”

“Eles não apenas te entendem. Eles te compreendem.”

De acordo com o psicólogo David Comer Kidd, da New School for Social Research, “O que os autores fazem de maravilhoso é transformar você no escritor. Na literatura de ficção, a incompletude das personagens faz com que sua mente tente entender a mente de outros”. Com isso, os leitores desenvolvem a capacidade da empatia. Eles podem não concordar com você, mas vão tentar ver as coisas do seu ponto de vista.
“Você deveria se apaixonar apenas por alguém que consiga ver sua alma. Deve ser alguém que não apenas te conhece, mas que te compreenda completamente.”

“Eles não são apenas intelectuais. São sábios.”

“Ser intelectual demais pode ser desagradável, mas ser sábio é algo cativante.”
Quem é que não gosta de ter um bate-papo culto e sempre aprender alguma coisa? Se apaixonar por um leitor irá melhorar o nível das conversas. Os leitores profundos são mais cultos devido ao maior vocabulário, melhor memória e pela capacidade de detectar padrões.
“Se você namora alguém que lê, então você também viverá milhares de vidas diferentes.”

Espécie em extinção

Se você gostou dos argumentos e já não vê a hora de procurar sua paixão, é preciso se apressar, pois a autora acredita que os chamados “profundos leitores” estão acabando no mundo, já que as pessoas muitas vezes apenas “passam o olho” ao invés de realmente ler.
“Se você ainda procura por alguém que te complete, que preencha o vazio em seu coração solitário, procure por essa raça que está se extinguindo. Você os encontrará em cafeterias, parques e no metrô.”
“Você os verá com mochilas, bolsas e maletas. Eles serão curiosos e sensíveis, e você saberá nos primeiros minutos de conversa com eles.”

sábado, 4 de julho de 2015

Partidos Políticos



Por Odemir Silva
           
Introdução
Foi publicada em 1951, há mais de sessenta anos, portanto, a obra clássica de Maurice Duverger, “Os partidos políticos”. O livro é considerado, com justiça, um clássico da ciência política por várias razões. Além de, evento raro nesse campo, estabelecer  “leis”, no sentido de conjecturas fortes, que postulam uma relação causal entre sistemas eleitorais e sistemas partidários, Duverger construiu uma metodologia de investigação que separa dimensões consideradas relevantes na análise dos partidos políticos; e elaborou uma tipologia dos partidos que relaciona suas origens históricas e características estruturais. Em todas essas direções, formulou um programa de pesquisa que continua a ser seguido, em graus diversos, pela literatura contemporânea especializada. O livro tem, portanto, importância histórica e propostas de pesquisa ainda atuais.
Vamos discutir os argumentos de Duverger em três partes, antecedidas por um breve comentário sobre a situação dos estudos acerca dos partidos políticos na época de sua publicação.

Consolidação Institucional dos Partidos Políticos
Desde a consolidação institucional dos partidos políticos, muito se debateu sobre eles. Com honrosas exceções, as discussões obedeciam a um viés jurídico-constitucional, no qual a regra, suas origens, sua articulação com o sistema político como um todo, importavam mais que o funcionamento concreto dos partidos. Nesse quadro, duas obras seminais levaram o estudo dos partidos para o terreno da sociologia política.
A primeira obra, cronologicamente, foi “A democracia e a organização dos partidos políticos”, de Moisei Ostrogorski, publicado em 1902. Ostrogorski substituiu a análise formalista e normativa pela tentativa de aplicar procedimentos de observação dos partidos, descrição de suas características e generalização empírica. Seu foco foi o conjunto de forças sociais que atuam na política, representadas nos partidos e nos grupos que atuam no seu interior.
A segunda obra foi “Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna: investigação sobre as tendências oligárquicas na vida dos agrupamentos políticos”, de 1911, na qual Robert Michels,   sob influência direta de Max Weber, apresentou sua conhecida “lei de ferro” das oligarquias. Conforme seu argumento, a expansão progressiva do direito de voto, até o sufrágio universal, teria criado um ambiente político no qual o sucesso eleitoral dependia cada vez mais de organização.
Organização, por sua vez, dependia da criação e manutenção de uma burocracia especializada, burocracia esta que tenderia a concentrar o processo de tomada de decisões. Ou seja, sufrágio universal exige partidos de massa, partidos de massa existem apenas com burocracias organizadas, burocracias conduzem, por sua vez, à oligarquia. Paradoxalmente, o aumento da democracia levaria, “inexoravelmente”, a sua negação.

Origem e Tipologia dos Partidos Políticos
Como já exposto, os partidos políticos surgem, no contexto europeu, em meados do século XIX, como decorrência do funcionamento da democracia representativa. Na época, já havia parlamentos em operação e seus membros eram recrutados entre o pequeno grupo de homens de posses, tradição, educação, os “notáveis”, de cada localidade. Em pouco tempo, esses notáveis encontraram-se na situação de exercer seus mandatos como representantes dos eleitores, ou seja, eleitos por eles para cumprir um mandato definido. Para enfrentar as eleições, organizaram comitês eleitorais. A relação entre grupos de parlamentares eleitos e seus respectivos comitês eleitorais constituiu o embrião do primeiro tipo de partido político a surgir: o partido de quadros.
A ampliação progressiva do sufrágio, contudo, alterou substancialmente o ambiente político que deu origem a esses partidos. Não apenas o número de eleitores, e com ele a complexidade das estratégias eleitorais, aumentou. O fim do voto censitário, das exigências de renda e propriedade aos eleitores, fez com que as massas trabalhadoras ingressassem como atores importantes na política institucional. Nesse ambiente surgiu um novo tipo de partido, o partido de massas.
O caminho típico de criação desses partidos passa pela organização dos grupos sociais até então não representados, a constituição de comitês eleitorais e a eleição de bancadas parlamentares, normalmente sob influência forte das direções partidárias previamente constituídas. Partidos de massa resultam, portanto, da combinação de grupos sociais, comitês eleitorais e grupos parlamentares.
Para Duverger, as diferenças de origem refletem-se em diferenças de estrutura, ou seja, a lógica que leva à formação de cada tipo de partido estimula o surgimento de características estruturais distintas.
De forma resumida, podemos constatar que partidos de quadros são, geralmente, partidos burgueses, liberais ou conservadores,  que:
          dedicam pouco esforço ao recrutamento,
          concentram suas atividades nos períodos eleitorais,
          dependem para seu financiamento do aporte das próprias elites partidárias,
          contentam-se com uma organização interna relativamente simples,
          funcionam com direções concentradas e personalizadas,
          exibem um alto grau de disputa interna entre grupos pequenos de suas direções,
          trabalham com escassa consistência programática,
          dão pouca importância a fatores ideológicos, e
          operam com uma estrutura decisória descentralizada e pouco hierárquica.
Em contraste, os partidos de massa, tipo construído a partir da observação dos partidos socialistas e comunistas:
          têm no recrutamento, assim como na propaganda e doutrinação, atividades permanentes,
          dependem para seu financiamento das contribuições de seus filiados,
          adotam formas complexas de organização, com redes de unidades políticas e  uma burocracia permanente,
          suas lideranças demonstram pouco personalismo na sua atividade,
          a motivação principal da disputa interna é ideológica,
          mostram alta consistência programática, e
          tendem a criar estruturas decisórias hierárquicas e centralizadas.

A Estrutura dos Partidos Políticos - Dimensões Relevantes
Para a análise da estrutura organizacional dos partidos, Duverger propõe uma série de elementos a ser considerados. Trata-se, na verdade, de uma relação das perguntas relevantes que devem ser respondidas por toda pesquisa sobre o assunto. A combinação das respostas definirá tipos de partidos, que podem ser usados para fins de descrição e classificação dos casos estudados. Duverger agrupa esses elementos em três conjuntos.
O primeiro conjunto é o que denomina arcabouço partidário, que contempla a estrutura partidária, os elementos de base e a articulação entre a estrutura e esses elementos.
Estrutura partidária é definida de acordo com o grau de independência do partido em relação à sociedade civil organizada. Nessa perspectiva, o autor chama de partidos diretos aqueles formados sem a mediação de grupos sociais organizados. Por contraste, partidos indiretos seriam aqueles formados a partir da iniciativa de grupos desse tipo, como associações e sindicatos. É claro que partidos diretos coincidem, pelo menos parcialmente, com partidos de quadros e partidos indiretos, com partidos de massa.
Elementos de base do partido são os diferentes grupos elementares que o compõe, como os diretórios, comitês, seções, células, entre outros. A arquitetura organizacional que une essas unidades partidárias pode ser classificada de acordo com sua complexidade entre os extremos,  simples e complexo.
Finalmente, a interação entre estrutura e elementos de base focaliza a qualidade das relações verticais e horizontais. O sistema de relações horizontais estabelece a comunicação sem a intermediação do centro, e as ligações verticais se dão a partir da instância superior do partido.  Essas relações podem ser fortes ou fracas, horizontais ou verticais, resultando, em cada caso, em partidos caracterizados por maior ou menor centralização e maior ou menor democracia interna. Entre as combinações mais frequentes nesse plano de análise estariam partidos que operam conforme o centralismo autocrático (quando não há participação da militância partidária nas decisões da cúpula), outros, conforme o centralismo democrático (quando há participação da militância nas decisões da cúpula partidária).
O segundo conjunto que Duverger separa refere-se aos membros do partido. Nesse ponto é relevante, em primeiro lugar, verificar as condições de adesão. Há exigências de pagamento de contribuições mensais, compromisso com a disciplina, identificação ideológica, expectativa de militância? Caso afirmativo, a adesão é regulamentada, caso negativo é aberta.
Em segundo lugar, cabe aferir o grau de participação predominante entre os filiados, se apenas eleitores, simpatizantes ou militantes.
Em terceiro lugar, cumpre nomear a natureza dessa participação que, segundo o autor, pode ser sagrada, quando assume um caráter totalizante, ou profana, quando expressa um compromisso racional; e comunal, quando a adesão é resultado da pressão do grupo, ou social, quando decorre do cálculo individual.
O terceiro conjunto diz respeito à direção do partido. As dimensões aqui selecionadas são a forma de escolha dos dirigentes:
          se por eleição direta de todos os filiados ou por algum colégio eleitoral menor;
          a propensão à oligarquia nessas direções, ou seja, se o acesso aos postos de comando está restrito aos dirigentes e seus amigos ou se permanece aberto a todo filiado; e,
          ao sentido da relação de influência entre direção partidária e parlamentares eleitos, ou seja, se a direção tem comando sobre os parlamentares ou se simplesmente reflete e transmite suas decisões para o conjunto dos filiados.

Sistemas Partidários
Ao levar a reflexão dos partidos considerados de forma isolada para a interação dos partidos em sistemas partidários definidos, Duverger tem como alvo duas questões fundamentais:
1) A diversidade no número de partidos que cada país mantém;
2) a consequência do número de partidos na dinâmica dos governos.

Em ambas questões, as contribuições do autor foram inovadoras. Numa época em que a dinâmica do governo era relacionada ao sistema de governo, parlamentarista ou presidencialista, ou ao formato do legislativo, unicameral ou bicameral, Duverger postulou uma relação entre número de partidos e estabilidade dos governos. Para ele, sistemas bipartidários tenderiam, tanto na regra presidencialista quanto na parlamentarista, a serem mais estáveis que sistemas multipartidários. Sistemas de muitos partidos dependem de coalizões para formar maiorias e as coalizões tendem a ser mais instáveis que as maiorias formadas por  um só partido.
Mas, quais as razões que levam determinados países a produzir sistemas bipartidários e outros a alimentar sistemas multipartidários? Duverger distingue diversos fatores. Há fatores específicos, históricos, como a composição étnica e religiosa do país, as divisões produzidas pela tradição e a história de cada um, e fatores gerais, que operam em todos os casos particulares. Os mais importantes entre os fatores gerais são os econômicos, as divisões de classe, os ideológicos e os técnicos, entre os quais sobressai o sistema eleitoral.
É claro que Duverger não sustenta que o sistema eleitoral produza a proliferação de partidos. Partidos refletem diferenças políticas relevantes em cada sociedade, diferenças que não dependem do sistema eleitoral vigente. O sistema pode, contudo, favorecer a cristalização dessas diferenças em partidos autônomos, atuando, conforme a imagem do autor, como um freio ou acelerador do processo.
Os exemplos são retirados da história observada dos partidos políticos até o momento da formulação do autor, e as chamadas “leis de Duverger” nada mais são que a postulação de um caminho lógico particular a cada sistema eleitoral e a hipótese de sua repetição futura por indução.
Assim, no que respeita exclusivamente ao número de partidos, Duverger sustenta em sua primeira “lei”, que sistemas eleitorais majoritários de um só turno levam a sistemas bipartidários. Isso porque nesse sistema partidos minoritários são sempre sub-representados. A verificação desse resultado ao longo de várias eleições levaria o eleitor a optar por alguma forma de voto útil, a concentrar sua escolha nos partidos com possibilidade real de vitória, na prática aos dois maiores partidos.
Pela mesma razão, sistemas eleitorais majoritários com dois turnos de votação, como o ballotage na França, tenderiam a produzir sistemas partidários com mais de dois partidos. Isso porque o eleitor, ao saber que disporá de um segundo momento de voto, não se vê compelido ao voto útil.
Finalmente, sistemas de voto proporcional tendem a gerar sistemas multipartidários, sistemas com um número de partidos ainda maior que aqueles associados ao voto majoritário com dois turnos de votação. Isso porque no sistema proporcional o número de cadeiras de cada partido deve, idealmente, espelhar o percentual de votos por ele obtido. Não há descarte de votos no momento da eleição e a formação da maioria é problema não dos eleitores, mas deixado ao critério dos eleitos.

Partidos e Democracia
Vimos que o estudo dos partidos políticos, na perspectiva da sociologia do início do século XX, levou ao ceticismo com relação às possibilidades de permanência da ordem democrática em expansão nas décadas anteriores. A lei da circulação das elites, de Pareto e Mosca, assim como a lei de ferro das oligarquias, de Michels, expressavam esse ceticismo e a crença no retorno à constante histórica profunda das relações de poder: poucos mandam, muitos obedecem.
Duverger desenvolve uma relação ambígua com essa vertente. De um lado, aceita o pressuposto fundamental de seus predecessores: o poder está, em todos os casos, nas mãos de poucos e a regra democrática nada mais é que um mecanismo de seleção e renovação das elites. No entanto, o surgimento e proliferação  dos partidos de massa representam, para o autor, uma ampliação significativa dos espaços de seleção das elites dirigentes. Antes, na época dos partidos de quadros, dos notáveis, a elite originava-se de um pequeno grupo do universo das classes proprietárias. Com os partidos de massa, representantes autênticos das classes trabalhadoras ganham acesso a posições de mando e passam a constituir uma nova elite, representativa da maioria dos cidadãos de seus países.
Segundo Duverger, se abandonarmos a definição ilusória de democracia, governo do povo para o povo, e aderirmos à definição realista, governo para o povo, veremos que, no regime representativo, a democracia não é ameaçada pelos partidos de massa e suas burocracias especializadas em propaganda, doutrinação e campanhas eleitorais. Pelo contrário, esse tipo de partido é condição para que dirigentes saídos das classes majoritárias e a elas ainda vinculados assumam o governo e tomem as decisões para o povo.
Democracia representativa com partidos de quadros é, para Duverger, uma combinação conservadora. Mais conservadora do que ela, só a ausência de partidos formalizados, o governo de personalidades isoladas, pois, onde não há partidos a política só se move no sentido de manter a desigualdade pré-existente.
Conclusão
Vimos neste Módulo que, conforme Maurice Duverger, a eleição dos representantes do povo no parlamento e a ampliação do direito de voto são os fatos históricos que estão na origem dos partidos de quadros e dos partidos de massa, respectivamente.
Vimos também que o autor propõe uma agenda de pesquisa dos partidos políticos que engloba algumas dimensões. Na dimensão da estrutura partidária é relevante identificar as unidades mínimas que compõem o partido, sua relação com grupos sociais organizados e as relações que se estabelecem entre essas unidades e as diversas instâncias dirigentes.
Na dimensão dos filiados importa perguntar as condições da adesão,  os deveres do filiado e a forma como os filiados percebem sua pertença ao partido. Finalmente, na dimensão da direção, há que verificar o processo de seleção, a propensão à oligarquização e as relações da direção com a bancada parlamentar do partido, um foco de poder autônomo.
Vimos, ainda, as relações que o autor estabelece entre os sistemas eleitorais e o número de partidos: as relações entre o voto distrital majoritário em turno único e bipartidarismo, entre voto distrital majoritário em dois turnos e um sistema com mais de dois partidos e entre voto proporcional e um número ainda maior de partidos.

Fonte:             Instituto Legislativo Brasileiro - ILB