sábado, 2 de janeiro de 2016

Doutrina Política: Social-Democracia

Por Odemir Silva

Histórico e Características Principais

Introdução
O que são doutrinas políticas contemporâneas?
Na perspectiva que aqui adotamos, são aquelas correntes de pensamento que inspiram e orientam os partidos políticos importantes – em termos de influência, voto e acesso ao poder – no mundo de hoje. Dito de outra maneira, aquelas correntes que definem os objetivos de partidos atuais e, em alguns casos, os meios recomendados para alcançar esses objetivos.
O critério, portanto, é prático. Não vamos discutir correntes de pensamento que alimentaram partidos fortes no passado, mas insignificantes no presente. Não vamos discutir, por exemplo, uma corrente conservadora, uma vez que hoje nenhum partido de peso defende o retorno à ordem econômica, social e política pré-moderna. Pela mesma razão, não discutiremos a corrente anarquista, uma vez que os partidos dessa tendência perderam peso, nos países onde ainda eram importantes, no período entre as duas guerras mundiais.
Um esclarecimento final é necessário. Grandes correntes de pensamento político não são objetos que possam ser estudados a partir de uma definição clara, unívoca, aceita por todos. Adversários e partidários têm interpretações diferentes de cada corrente, e mesmo no interior de cada uma delas encontramos divisões importantes. A seleção de assuntos e autores feita no curso é, portanto, necessariamente parcial. Escolhemos obras de autores consagrados que tratam de temas que a maior parte dos novos esquerdistas considera fundamentais. No entanto, outros temas e autores, talvez tão importantes quanto esses, ficaram de fora. Vamos discutir, para dizer de forma mais precisa, uma seleção de temas e autores importantes para esta corrente.
Assim, para que você possa melhor absorver o conteúdo desse curso e atender aos objetivos a que se propõe, encontra-se disponibilizado em PDF o livro Partidos políticos brasileiros. Programas e diretrizes doutrinárias, organizado por Nerione Nunes Cardoso Júnior, editado pelas Edições Técnicas do Senado Federal.
Social-Democracia
Ao final desta leitura esperamos que você possa:
 Distinguir as características principais da social-democracia;
 Indicar suas diferenças em relação ao socialismo;

Histórico e Características Principais
Para a análise da social-democracia, nesta unidade, tomaremos como texto base o conjunto de ensaios, já clássicos, de Adam Przeworski, reunidos, em 1985, sob o título Capitalismo e Social-Democracia.
Veremos, em sequência, nesta unidade:
 Origem da social-democracia;
 Estado de bem-estar social.
Qual a relevância do fenômeno social-democrata? Em primeiro lugar, independentemente de suas limitações e falhas, a social-democracia parece ser a forma predominante de organização política dos trabalhadores em condições de capitalismo democrático. Se o caminho da insurreição é excluído, seja por inviável, seja por não conduzir ao socialismo, a via social-democrata surge como alternativa natural aos que perseguem os objetivos socialistas. Críticas são necessárias, nessa perspectiva, basicamente como meio de correção e ajuste de rumos e políticas específicas, dado que o caminho geral, por exclusão, estaria afirmado. Apenas "corrigindo" a experiência social-democrata poderíamos chegar ao socialismo.
A própria ideia de analisar erros cometidos para aperfeiçoar as decisões posteriores implica uma concepção de história e política ausente em outras manifestações do pensamento socialista. Supõe a existência de condições objetivas que delimitam uma gama de opções possíveis, assim como a vontade livre, no interior dessa gama, de um operador político. Aceitar apenas a objetividade implica recusar a possibilidade de erros: a história leva necessariamente ao socialismo. Aceitar apenas a vontade, atitude comum nas diferentes correntes políticas que afirmam o "amadurecimento" completo das condições objetivas, implica dizer que a mudança não se realiza pela ausência de intenção de líderes e partidos políticos; não se realiza pela "traição", portanto. Traição é, segundo o autor, a forma consequente de ver a estratégia social-democrata em um mundo livre de restrições objetivas.
Na verdade, a social-democracia consiste num conjunto de escolhas políticas feitas em momentos cruciais. Outras opções eram possíveis e foram seguidas pelos "insurrecionalistas" de todos os matizes. Essas escolhas foram:
Primeira – promover o avanço do socialismo no interior do quadro das instituições políticas e sociais capitalistas;
Segunda – dirigir-se a um conjunto de classes sociais e não só aos operários como agentes da mudança; e;
Terceira – dedicar-se à luta pelas reformas parciais do sistema, de interesse imediato das classes trabalhadoras.
Esse leque de escolhas exclui, evidentemente, a chamada "ação direta", como forma única ou preferencial de luta, recusa o monopólio dos operários da condição de agentes da mudança e nega o caminho que se resume a preparar um momento singular de ruptura do sistema, como a insurreição ou a "greve geral revolucionária".
A decisão mais importante que precede historicamente às demais é a participação. Não se tratava de uma decisão óbvia, até porque o direito de voto permaneceu limitado, por muito tempo, segundo critérios de renda e propriedade. No quadro das democracias liberais de então, os operários não votavam, e toda sua manifestação política, até aquelas que reivindicavam o direito de voto, extravasava as instituições estabelecidas e constituía forma de ação direta.
A questão se põe com ênfase para o movimento no instante em que se dissipam as ilusões de uma mudança feita por fora da política, à maneira dos socialistas utópicos, a partir de colônias ou quistos socialistas que por simples efeito-demonstração se difundiriam, acabando por tomar conta do corpo capitalista. Desde esse momento, é necessário optar: ou se recusa a participação e se combatem as instituições, ou o voto é aceito como mais uma arma do arsenal dos trabalhadores.
A questão subjacente, de forma alguma trivial, é se a burguesia respeitaria o resultado de um processo democrático que contrariasse seus interesses vitais.
À vitória eleitoral socialista seguir-se-ia o golpe da reação? A dúvida perdurou por décadas, uma vez que em 1926, após seis décadas de debate, os social-democratas austríacos ainda se sentiam no dever de alertar que respeitariam a ordem constitucional, mas que a reação golpista da direita, caso ocorresse, seria reprimida de forma ditatorial.
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De qualquer maneira, no que respeita a essa questão, os anarquistas posicionaram-se de imediato contra sua participação. A seu ver, a miragem das eleições domesticaria o movimento dos trabalhadores, levando-o a abandonar seu propósito revolucionário.
A linhagem alternativa, que deu origem a socialistas e comunistas, optou pela participação. No início, sem muita expectativa: eleições eram vistas como terreno propício à propaganda e ao recrutamento de novos militantes; ou, no máximo, como indicador do ânimo dos trabalhadores para encarar a insurreição.
No entanto, a participação é mecanismo dotado de lógica própria, que não permite meio termo. No início, os socialistas participavam apenas das eleições; não faziam acordos relativos ao segundo turno ou à partilha de cargos das mesas dos parlamentos. Participar em governos de coalizão sequer era cogitado. Aos poucos, a consciência de que as regras do jogo constitucional deveriam ser aceitas ou recusadas na íntegra levou-os a fechar acordos, participar das mesas e, em 1924, a assumir o governo na Grã-Bretanha. Mesmo então, esse passo foi polêmico e teve que ser justificado com o argumento da experiência a se ganhar, necessária a um futuro governo suficientemente majoritário, capaz de implementar o programa de mudanças.
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Na verdade, à medida que a pura abstenção política e a participação restrita se revelavam inviáveis, os trabalhadores começaram a valer-se da estrutura partidária social-democrata para atender a seus interesses particulares de classe. Afinal, no capitalismo, os capitalistas participam diretamente das decisões relativas à economia, particularmente no que se refere à alocação produtiva do lucro e à distribuição do excedente entre salários e lucros. Nessas questões, "votam" todos os dias, produzindo tendências que revelam os efeitos combinados do conjunto das decisões individuais.
Já os trabalhadores, impossibilitados de atingir seus objetivos de forma direta no mercado, devem recorrer a instituições como sindicatos e partidos. Sendo assim, a democracia política e o sufrágio universal passam a ser tratados pelo movimento operário como corretores das disparidades distributivas que o mercado propicia.
Durante alguns anos conviveram ambas as táticas, a institucional e a ação considerada direta. Sem dúvida, contribuiu para a predominância da primeira opção o fato de as greves gerais deflagradas para a obtenção dos direitos políticos, o sufrágio universal masculino, haverem sido vitoriosas onde ocorreram, como na Bélgica e na Suécia. Ao mesmo tempo, todas as greves gerais desencadeadas com objetivos econômicos, com potencial para evoluir para uma situação de "greve geral revolucionária", entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, foram derrotadas, com perdas duradouras para o movimento operário.
Nas palavras de Kautsky, teórico e dirigente da social-democracia alemã, a própria luta econômica requer direitos políticos e “estes não caem do céu”. Ou seja, a participação era necessária. Tornava-se necessário ao partido organizar os trabalhadores como classe, ou seja, organizá-los para votar como trabalhadores.
A opção pela participação envolvia riscos. O consentimento dos trabalhadores às instituições políticas do capitalismo poderia levar a seu fim ou apenas contribuiria para reforçá-lo? Um claro antagonismo era percebido entre os objetivos estratégicos e táticos do movimento: a superação do capitalismo exigia um forte movimento de massas, mas um movimento de massas, por sua vez, exigia atenção e prioridade para reivindicações menores e mais prosaicas, ligadas ao cotidiano do trabalhador.
Outros complicadores apresentavam-se ao movimento social-democrata, segundo o autor. O voto coloca o eleitor na sua condição de indivíduo, sendo uma prática política que tende, portanto, a obscurecer o caráter de classe da ação política. O próprio instituto da representação constituía problema na tradição do movimento, problema que a democracia de conselhos ou comunas tendia a controlar com a eventual demissão de representantes e com o mandato imperativo. Mesmo o surgimento espontâneo desse tipo de democracia nas insurreições operárias conhecidas comprova a relação tensa entre o movimento e o instituto da representação.
Por outro lado, participar regularmente em eleições implicava, como ainda implica, construir uma máquina partidária eficiente, com uma burocracia forte que inevitavelmente passa a preponderar nas decisões partidárias, levando o movimento a uma tendência de aburguesamento. Além disso, a opção eleitoral tem como consequência lógica o abandono dos instrumentos característicos da ação direta. A continuidade do seu uso provoca a desconfiança e rejeição do eleitor, além de fazer pesar a suspeita de oportunismo: “voto quando somos maioria, insurreição quando somos minoria”.
Finalmente, o recurso continuado aos instrumentos da democracia fortaleceu a tendência no movimento a considerar o socialismo a sequência lógica da democracia, sua simples extensão para os planos econômico e social. A democracia passa então do status de instrumento de luta, de meio, para a consecução de um determinado fim, o socialismo, para o de um valor a ser preservado e ampliado na nova sociedade. A revolução operária não eliminaria a obra da Revolução Francesa, mas a terminaria.
É preciso assinalar a presença de um elemento de cálculo estratégico na adesão do movimento operário às regras do jogo eleitorais. Conforme a ortodoxia marxista, os operários viriam a constituir a maioria da população, em todos os países capitalistas. Afinal, para expandir-se, obedecendo a sua lógica imanente, o capitalismo precisava de um número crescente de operários. O sistema criava seus próprios coveiros, na conhecida expressão de Marx. Assim, cedo ou tarde chegaria o momento em que os partidos operários representariam a maioria da população e contariam com a grande maioria dos votos.
Nessa perspectiva, a questão da insurreição perde sentido, dado que o movimento encontrava-se fadado a tomar o poder pelo voto, em condições de sufrágio universal. Essa interpretação encontra fundamento até em algumas passagens de Engels, que afirmam a república democrática como a forma por excelência da ditadura do proletariado.
Os dados pareceram indicar durante muito tempo o acerto dessas previsões. Retirados da ilegalidade e conseguido o sufrágio universal, todos os partidos socialistas europeus viram sua votação crescer exponencialmente, entre o fim do século XIX e a segunda década do século XX. Entre 1905 e 1925, uma boa parte deles alcançou seu auge eleitoral, uma maioria relativa situada em torno dos 40% dos votos.
Até esse momento, convém lembrar, esses partidos dirigiam-se prioritária ou mesmo exclusivamente à classe operária. No Partido Trabalhista Britânico, até mesmo a filiação individual de um membro de outra classe foi vetada pelos sindicatos até 1918.
Havia razões de ordem teórica para essa opção. Para Marx, a centralidade dos operários, na condição de atores políticos da mudança, devia-se a duas razões: sua condição de classe explorada no regime, diretamente interessada em sua superação; e sua capacidade, única fora da burguesia, de organizar a produção.
No entanto, havia também razões de ordem prática ao menos tão importantes quanto as teóricas.
Em primeiro lugar, a competição econômica campeava entre os operários, assim como entre os capitalistas, e sua superação era condição indispensável ao aumento da eficiência do conflito contra a classe capitalista. Daí a necessidade de organizar um partido político identificado com a classe que demandasse o voto do trabalhador na condição de trabalhador.
Em segundo lugar, a ausência de um partido desse tipo facilitaria, na sociedade burguesa, a integração dos operários como indivíduos, votando conforme demandas de outra ordem – regionais, religiosas, ou outra qualquer. Por isso era importante demarcar a classe operária da “massa reacionária” constituída pelas demais classes.
Finalmente, o partido voltado para a classe era necessário para superar o viés imediatista e antipolítico dos trabalhadores, sempre interessados no confronto direto com o seu empregador, mas desconfiados do mundo da política.
No entanto, essa concentração classista dos partidos operários teve que ser alterada por imposição do processo eleitoral. Com efeito, a classe operária, contrariamente às previsões de Marx, jamais chegou a constituir a maioria estável da população em qualquer país capitalista. Após seu momento de auge, quando, como vimos, se aproxima da metade da população total, perto da passagem do século, a participação dos operários, no sentido clássico do termo, na população cai constantemente. Em 1968 representavam 25% da população francesa; em 1971, 20% da população belga, para ficar apenas em dois exemplos expressivos.
A economia havia mudado. O crescimento, não antecipado pela teoria, do setor de serviços demandava cada vez mais trabalhadores. A nova legislação, resultado do empenho dos socialistas, fazia aumentar também a importância de estudantes e aposentados na população total. Em suma, a previsão de Marx de uma sociedade no rumo da simplificação da estrutura de classes, com uma burguesia cada vez menor e mais rica, confrontada com uma massa operária majoritária e empobrecida, não se verificara.
A nova situação deixou aos partidos social-democratas uma alternativa difícil. De um lado, era possível preservar a homogeneidade social, a pureza de classe, o que implicava resignar-se à condição de minoria eleitoral. De outro lado, também era possível ultrapassar os limites da classe operária e dirigir o apelo político e eleitoral do partido a outras classes e camadas da população, percebidas como aliadas conjunturais dos operários. A soma dos votos tradicionais dos socialistas com os dos aliados de classe permitia pensar na maioria nas eleições.
É preciso assinalar que esta última alternativa não implica necessariamente, ao menos na percepção de dirigentes e militantes da época, o abandono dos objetivos finais do movimento. Significava apenas reconhecer que, ao contrário da assertiva de Marx, a emancipação dos trabalhadores não seria obra exclusiva dos próprios trabalhadores.
De fato, à medida que a progressão eleitoral dos partidos social-democratas estagnava, a opção pelo pluriclassismo se impôs. Os partidos passaram a dirigir-se ao povo, às classes populares, focalizando sua crítica num pequeno número de grandes capitalistas e especuladores. Os limites da categoria povo eram amplos o suficiente para abarcar perto de 90% da população desses países.
A social-democracia nunca chegou a percentuais similares de votos. Sua estratégia atraiu parte dos membros das classes populares, mas não todos. Paralelamente, parece haver-se estabelecido um círculo vicioso entre o apelo à classe e o apelo ao povo. Quanto mais os partidos modificavam seus discursos para atrair o voto de camponeses, trabalhadores de colarinho branco, funcionários públicos, intelectuais, maior a perda de seus votos operários tradicionais. No que parece ter sido um dos pontos culminantes do processo, a eleição britânica de 1979, 50% dos operários votaram nos conservadores.
A busca da maioria encontrava-se, aparentemente, bloqueada nas duas alternativas eleitorais. A opção classista estava condenada à maioria, dado que a classe operária tendia a perder participação na população total. A opção popular, por sua vez, produzia uma perda de votos antigos que contrabalançava a conquista dos novos.
Mas quais as razões desse fenômeno?
A primeira e mais evidente razão é a concentração em objetivos comuns aos operários e outros integrantes da coalizão. A política popular dirige-se aos interesses da maioria do povo: operários são contemplados, não na sua especificidade de classe, mas como cidadãos de baixa renda, usuários dos serviços públicos, consumidores e contribuintes, por exemplo. Os interesses próprios dos trabalhadores passam a um segundo plano.
Há uma segunda razão, de caráter menos imediato. O discurso da opção popular interpela os eleitores como indivíduos, solicita sua escolha numa arena política neutra, voltada para o bem comum. Esse tipo de apelo enfraquece a identidade de classe e libera os operários a votar conforme as exigências de outros princípios, como região, religião e outros.
Essas questões, no entanto, não foram antecipadas pelas lideranças que encaminharam os partidos social-democratas ao rumo do bloco de classes. Para eles, permanecia a validade do objetivo final do movimento: a abolição da propriedade privada, fonte da irracionalidade e da injustiça presentes na sociedade capitalista. Para eles, a luta por objetivos específicos, de interesse das classes populares, não constituía desvio em relação a essa meta, mas a construção do caminho que levaria a ela. O socialismo como etapa seguinte ao capitalismo era visto como inevitável, e os ganhos do movimento, de fundo popular ou operário, eram irreversíveis e acumulativos. Na expressão de Jaurès, líder do socialismo francês, a transição para a nova sociedade poderia ser comparada à passagem de um navio pela linha do Equador: lenta, inexorável e imperceptível.
A seguir, examinaremos a feição que a social democracia adotou a partir da década de 1930.

O Estado do bem-estar social
É preciso ressaltar ainda que, naquele momento, a social-democracia carecia de uma política econômica própria. Partilhava com os partidos burgueses da crença no padrão-ouro, na necessidade do equilíbrio orçamentário. Mesmo as iniciativas de aumento salarial eram ponderadas com a necessidade de manter o lucro em patamares que garantissem o investimento futuro e a geração de novos empregos. O traço diferencial dos partidos social-democratas estava numa parcialidade distributiva em favor dos operários, seja diretamente, seja pela via popular. As medidas distintivas típicas eram a luta por um salário mínimo, políticas habitacionais, seguro-desemprego, tributação progressiva sobre a renda e a herança. Todas tiveram como resultado final a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Do marxismo o movimento herdara basicamente os argumentos da crítica ao capitalismo. Propostas efetivas de como proceder para sua superação resumiam-se à transferência da propriedade dos meios de produção para a coletividade: a nacionalização. No entanto, embora o período entre as duas guerras mundiais tenha testemunhado a ascensão de diversos partidos socialistas ao poder, nada se fez, praticamente, no sentido dessa grande diretriz.
Duas razões estariam na origem dessa omissão.
A primeira razão, uma ambiguidade conceitual quanto ao que fazer. Nacionalizar, ou seja, passar o controle para o Estado, ou socializar, entregando a empresa à gestão dos trabalhadores que operam aquela unidade particular de produção? Os partidos dividiram-se nessa questão, alguns enfatizando mais o aspecto planificador da propriedade estatal e outros o componente autogestionário. Aos olhos dos socialistas, contudo, essa última alternativa não poderia ser vista como definitiva, pois solucionava apenas a contradição interna à empresa, entre capitalistas e operários, mas não o conflito entre aquela unidade e o conjunto dos consumidores.
A segunda razão encontra-se no fato de os socialistas haverem assumido o governo na condição de minoria ou na liderança de uma coalizão com outros partidos, contrários à política de nacionalização. Nessa situação, impõe-se a escolha entre dois caminhos. O primeiro é perseguir a nacionalização, o objetivo final, apesar da condição de minoria. A derrota subsequente teria utilidade pedagógica, ensinando às massas a identidade de seus aliados e de seus inimigos, preparando o advento de um governo socialista majoritário. Essa posição foi implementada apenas uma vez, em 1928, na Noruega, por um governo socialista que durou três dias. O segundo caminho é o das reformas, o da mudança do capitalismo a prestações, até o dia em que a maioria se volte para os partidos socialistas e as nacionalizações possam ser efetuadas.
Essa situação de carência de uma teoria econômica específica perdura até a década de 1930. Após a crise de 1929, uma série de políticas anticíclicas é implementada em diversos países. Seu fundamento teórico foi formulado por Keynes, e o caso mais conhecido é o New Deal americano. No entanto, na mesma época, os governos socialistas da Noruega, Suécia e França iniciavam políticas de estímulo a demandas similares.
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Criou-se um novo paradigma, no qual cabia ao Estado gerenciar o nível de demanda, seja mediante uma política de pleno emprego, seja pelo gasto público direto em obras de qualquer espécie. Aceitava-se um certo montante de déficit público, a economia assim aquecida saía da crise e iniciava-se um novo ciclo expansionista. No momento posterior, de prosperidade, procurava-se o equilíbrio das contas públicas.
A afinidade entre keynesianismo e social-democracia foi imediata e duradoura. Essa perspectiva permitia pensar a congruência entre os interesses particulares dos trabalhadores e os interesses gerais da sociedade. Aumentar a renda dos trabalhadores era a receita para fazer a economia crescer e beneficiar a todos. Os interesses populares, de todas as classes e grupos aliados, aparentavam uma afinidade, até então oculta, com os interesses da classe operária.
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A assimilação do enfoque keynesiano à política econômica dos socialistas no poder marca o início do que se convencionou chamar Estado do bem-estar social. Não se trata mais de implementar reformas pontuais enquanto se aguarda o momento propício à nacionalização massiva. Criou-se, na verdade, um novo modelo, com a ambição de domesticar o capitalismo, em benefício de trabalhadores e consumidores. O papel ativo que o Estado passou a ter permitiria evitar a crise econômica e compensar os danos sociais do sistema, sem necessidade da nacionalização completa da atividade econômica.
O modelo, de grande aplicação na Europa, após a segunda guerra, apoiava-se em três pilares. Até esse momento, convém lembrar, esses partidos dirigiam-se prioritária ou mesmo exclusivamente à classe operária. No Partido Trabalhista Britânico, até mesmo a filiação individual de um membro de outra classe foi vetada pelos sindicatos até 1918.
Em primeiro lugar, a presença do Estado como agente econômico, como provedor dos insumos fundamentais à economia, a preços módicos. Tornou-se comum o monopólio público em setores como crédito, aço, carvão, energia, transportes e comunicações. Todos eles estratégicos e de baixa rentabilidade para o capital privado. Entre os poucos casos de presença estatal em indústrias de bens de consumo, cabe citar, por sua relevância, a produção de automóveis.
Em segundo lugar, a promoção de políticas anticíclicas de prevenção e regulação de crises econômicas. Aqui o Estado age como controlador da demanda, normalmente suprindo-a, mediante geração direta ou indireta de postos de trabalho.
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O terceiro pilar é a construção de uma rede de proteção que pretendia nada menos que a segurança absoluta para todo cidadão, “do berço ao túmulo”. Integram essa rede as políticas de saúde, previdência, assistência social, habitação, transporte, educação, assim como todas as demais que o Estado utilize para o incremento da segurança e do bem-estar de sua população.
A rede de segurança tem o objetivo de sanar as sequelas sociais do capitalismo. A presença do Estado na produção e na regulação do mercado imprimiria racionalidade a esse espaço, evitando a crise, ao menos a crise prolongada. Os capitalistas seriam induzidos a investir os seus lucros nos setores considerados pelo Estado como importantes para a eficiência do sistema. No limite, operariam como funcionários da coletividade.
O modelo supõe a possibilidade de os trabalhadores fazerem uso do Estado, em que cada pessoa representa um voto, para corrigir as distorções do mercado, esfera na qual o peso nas decisões é proporcional ao montante de recursos que cada um possui. A política prevaleceria, garantindo a justiça e a eficiência que o mercado seria incapaz de prover por períodos continuados.
A experiência da social-democracia na aplicação desse modelo trouxe à tona suas limitações estruturais. Na verdade, equidade e eficiência não são objetivos sempre compatíveis, mas muitas vezes até antagônicos. Em casos de tensões e conflitos aparece a principal barreira limitadora: a dependência da disposição do capitalista para o investimento.
O modelo depende do crescimento econômico, este do investimento e este último, por sua vez, do lucro e da expectativa de sua continuidade. Na hipótese de resistência ou desconfiança dos capitalistas, estes, a rigor, não precisariam sequer conspirar contra o governo: bastar-lhes-ia deixar de investir, para provocar em pouco tempo uma crise desestabilizadora, de consequências fatais para o governo.
Esse o dilema que atormenta os governos socialistas empenhados numa transição sistêmica, na superação do capitalismo por uma nova ordem econômica e social. Qualquer passo no sentido da nacionalização, da restrição dos mercados, retira os capitalistas da base de apoio ao governo e gera um momento de desorganização da produção. Essa crise tem seu ônus, em empregos e salários, e a classe trabalhadora não se mostrou historicamente disposta a suportá-los, mesmo com o aceno de benefícios futuros até mais substanciais.
A crise é inevitável nessa situação. Um governo eleito com promessas de mudanças deve satisfazer as demandas dos diversos grupos de apoio a que deve a vitória. Esse leque de demandas pode ser atendido por um número limitado de meios: distribuição direta de renda, uso da capacidade produtiva ociosa, gasto das reservas internacionais e redução da taxa de lucros. Segundo Przeworski, os três primeiros sempre se mostrarão insuficientes, de maneira que a pressão no sentido da redução da taxa de lucros é inevitável.
Nesse momento ocorre a reação empresarial. Obrigados pela instância política a manter salários e empregos em montante maior que o necessário, aumentam seus preços, gerando inflação. Caso se imponham controles diretos sobre os preços, cessa a produção e surge uma situação de escassez. Processos com esse roteiro aproximado observaram-se na França, em 1936; em Portugal, na Revolução dos Cravos; e no Chile de Allende.
A conclusão do autor é da impossibilidade da mudança de sistema por meios democráticos. A perda inicial que os trabalhadores experimentam determina a retirada de seu apoio ao governo partidário da mudança, deixando-o debilitado para enfrentar com sucesso a reação conservadora. A melhor solução para os trabalhadores seria persistir no compromisso social-democrata, assegurar os ganhos possíveis em troca da renúncia à revolução social. Afinal, somente esse modelo assegurou, historicamente, a convivência entre capitalismo e democracia.
Ao estudar o histórico e as características principais da social-democracia, detivemo-nos nas opções fundamentais que levaram, com o tempo, a sua distinção em relação à corrente socialista tradicional. Em seguida, discutimos as características principais do produto de engenharia política que se associou à social-democracia a partir da década de 1930 e, principalmente, no pós-guerra: o conjunto de políticas econômicas e sociais que veio a ser conhecido como Estado do bem-estar social.
No próximo módulo vamos abordar as bases que tornaram possível o compromisso que é esse tipo de estado: o Estado do bem-estar social.

Esse material é compilado dos arquivos do Curso: “Doutrina Política. Social Democracia”, do Instituto Legislativo Brasileiro - Senado Federal.