sábado, 9 de maio de 2015

Modalidades do Sistema Representativo


Por Odemir Silva

Se excluirmos de todos os sistemas de governo registrados ao longo da história os regimes despóticos, nos quais as decisões estão completamente fora do alcance da vontade e influência dos cidadãos, restam para nossa análise dois grandes sistemas de governo: a democracia direta e o sistema representativo. Para traçar a diferença precisa entre eles, é preciso evitar dois erros muito presentes em nosso senso comum.
De acordo com o primeiro erro, na democracia direta, o povo, reunido em assembleia, é responsável imediato por todas as decisões. Não haveria, portanto, mandatários, sejam eles eleitos ou escolhidos por sorteio. O problema é que um sistema como esse jamais existiu. Pelo menos, não é o que os dados disponíveis nos dizem sobre os exemplos históricos de democracia direta, seja na Grécia clássica, seja nos cantões suíços de hoje. Nesses, e em todos os demais casos conhecidos, sempre houve e há funcionários eleitos e/ou sorteados incumbidos de tomar decisões importantes para a comunidade.
Conforme o segundo erro, haveria simplesmente uma relação de continuidade entre a democracia direta e o sistema representativo. Na observação conhecida de Rousseau, o tamanho das sociedades políticas inviabiliza hoje a democracia direta e teríamos que nos contentar com uma democracia menor, imperfeita, porém exequível, na forma do sistema representativo.
No entanto, essa ideia colide com a percepção dos teóricos fundadores do sistema representativo, que o viam como algo oposto e superior à democracia direta. Para Sièyes, a representação é indispensável na sociedade moderna, onde o cidadão se ocupa principalmente do próprio bem-estar e não tem tempo para a participação política. Para Madison, a representação política deixaria o poder nas mãos dos mais sábios e produziria decisões intrinsecamente superiores àquelas que o povo em sua totalidade tomaria. Nos dois casos, os representantes, por seleção ou por especialização, seriam mais capazes de tomar decisões corretas que seus representados. Antes de uma relação de continuidade, transparece nesses argumentos uma relação de oposição entre democracia direta e sistema representativo.
Para resolver a questão, podemos partir de uma observação de Madison:  a diferença real entre um e outro sistema não está na exclusão completa dos representantes do povo na democracia direta, mas na exclusão completa do povo reunido de qualquer decisão no sistema representativo. Num e noutro sistema, há representantes, eleitos ou sorteados, mas somente no sistema representativo esses representantes detêm o monopólio das deliberações políticas.
A seguir, trataremos de alguns princípios gerais que caracterizam o sistema representativo. 
Os quatro princípios assinalados a seguir desenvolveram-se pela primeira vez no Reino Unido, a partir da segunda metade do século XIX, de onde se espalharam pela Europa continental.

Primeiro princípio: os governantes são selecionados por meio de eleições regulares.
Este princípio afirma duas coisas distintas: só os representantes governam e são escolhidos mediante eleição. Em contraste, nas democracias diretas, a assembleia de cidadãos toma decisões e é comum a escolha por sorteio, de acordo com a lógica de dar a todo cidadão que o deseje a oportunidade igual de participar do governo. No exemplo ateniense, cargos que demandassem habilidade técnica, como generais e tesoureiros, eram preenchidos por eleição, com possibilidade de reeleição. Já os mandatos no colegiado que executava as decisões da Assembleia e nos tribunais eram sujeitos a sorteio e a recondução era vedada, na lógica de dividir esses cargos pelo maior número possível de cidadãos.

Segundo princípio: as decisões dos governantes mantêm algum grau de independência em relação à vontade dos representados.
Desde o início o sistema representativo posicionou-se contra todo tipo de mandato imperativo, assim como contra sua consequência lógica, a possibilidade de os representados substituírem seus representantes antes do término de seus mandatos.

Terceiro princípio: os representados podem manifestar livremente suas opiniões.
Há uma opinião pública, livre, que os representantes não podem controlar e precisam levar em consideração se querem pensar na eleição seguinte.

Quarto princípio: as decisões são submetidas a debate público.
Em algum momento do processo, as decisões passam por um debate aberto e transparente.
A seguir, apresentaremos, em linhas gerais, a tipologia dos sistemas representativos proposta pelo cientista político Bernard Manin.

Nenhum comentário:

Postar um comentário