terça-feira, 26 de maio de 2015

Modelos de Democracia

Por Odemir Silva
 
Desde que surgiu, a palavra democracia suscita debates. Na antiguidade, democracia era o governo de muitos e designava um sistema bem conhecido de regras de governo das cidades. A discussão se concentrava mais nas suas virtudes e defeitos, em comparação com os sistemas alternativos, o governo de poucos e o governo de apenas um. A partir da modernidade, a discussão se amplia cada vez mais: discute-se o significado do termo; o processo de tradução dos princípios democráticos em regras e instituições; e a construção de instrumentos capazes de avaliar o grau de democracia presente em cada arranjo institucional concreto.
Como não poderia deixar de ser, leituras diferentes do significado da democracia coincidem com regras operacionais diferenciadas e sistemas políticos bem distintos em seu funcionamento. Diversos autores têm analisado a questão, nos anos recentes, desde que Robert Dahl publicou, na década de 1950, suas reflexões sobre democracia populista, democracia hamiltoniana e poliarquia. Nesse rumo, uma das tentativas recentes mais interessantes, que demonstrou capacidade de reunir de forma coerente dados de vários países, a respeito dos aspectos mais diversos de seus sistemas políticos, é a obra de Arend Lijphart, que desenvolve, a partir de 1984, a comparação entre dois modelos diferentes de democracia: a democracia majoritária e a democracia consensual.
Conforme o autor, esses dois modelos têm sua origem em interpretações diferentes, até antagônicas, do significado de democracia, e estão na origem de arranjos institucionais diferentes adotados pelas democracias do mundo. Observados em dimensões selecionadas do sistema político, esses modelos produzem, em cada uma delas, escalas situadas entre os dois tipos ideais puros:
o majoritário extremo, de um lado, e o consensual absoluto, de outro. Com essas escalas em mãos, o cientista político - aquele que conhece profundamente a história dos processos políticos e tem habilidades para definir tendências e sugerir caminhos - é capaz de medir qualquer democracia existente, de situá-la nessa grade e compará-la com a situação vigente em outros países. Vamos apresentar a reflexão de Lijphart, discutindo, em primeiro lugar, a definição do binômio majoritário/consensual. Em segundo lugar, vamos expor como esse par se manifesta na forma de diferenças em cada uma das características do sistema político que o autor seleciona. O Reino Unido e muitas de suas antigas colônias são exemplos de países que adotam o sistema majoritário. A Suíça e a Bélgica, assim como a experiência em progresso da União Europeia, praticam o modelo consensual.

Democracia Majoritária e Democracia Consensual
A diferença entre os dois modelos de democracia encontra-se presente já na definição mais simples da palavra, clássica e enraizada no senso comum - governo pelo povo, para o povo -. Aceita esta definição geral, a questão se revela quando perguntamos: Como proceder?  Quando? Como ocorre quase sempre que houver divergências no meio do povo sobre o que fazer? Que funcionários devem fazê-lo? Uma resposta possível, muito difundida, defende a prevalência da vontade da maioria dos eleitores. Nessa visão, não importa se essa maioria é ampla ou estreita; inaceitável seria apenas o governo de uma minoria de eleitores. Esse o princípio da democracia majoritária: definida alguma maioria, cabe a ela governar, por intermédio dos nomes por ela indicados. À minoria resta fazer a crítica ao governo, até o fim do seu mandato, quando uma nova eleição abrirá a oportunidade de sua transformação em maioria.
Uma resposta alternativa é deixar a decisão com o maior número possível de pessoas. O governo de minoria também é recusado por essa visão, mas a ampliação permanente da maioria é mais importante que a contagem simples dos votos num momento determinado. Esse o princípio da democracia consensual. A democracia majoritária concentra o poder. Traduzida em instituições, produz sistemas excludentes, nos quais a relação entre maioria e minoria, governo e oposição é caracterizada pelo embate e pela competição. A democracia consensual tende a partilhar, limitar e dispersar o poder. Opera principalmente por meio da negociação e da concessão.
Bons exemplos do modelo majoritário de democracia são o Reino Unido e muitas de suas antigas colônias. Os países mais próximos do modelo consensual, segundo o autor, são a Suíça e a Bélgica, assim como a experiência em progresso da União Europeia.

Diferenças relevantes entre a Democracia Majoritária e a Democracia Consensual
Se considerarmos, de um lado, a procura de acordos cada vez mais amplos e, de outro, a aferição da maioria mínima como dois princípios gerais, opostos, que informam a construção de regras e instituições democráticas, é possível procurar as diferenças entre os dois modelos na disparidade existente entre essas regras e instituições nos diversos países democráticos do mundo. 
Nessa busca, o autor seleciona dez diferenças relevantes, agrupadas em dois grupos distintos.
O primeiro diz respeito à relação entre o Poder Executivo, os partidos políticos e os grupos de interesse.
O segundo reúne diferenças relacionadas com o contraste entre governos unitários e federações.

Diferenças na dimensão Poder Executivo e Partidos Políticos
Você sabe dizer quais as diferenças de concentração do Poder Executivo em ministérios formados por apenas um partido majoritário e a distribuição do Poder Executivo em ministérios de amplas coalizões partidárias? 
O Reino Unido e outros países que adotam o voto distrital uninominal tendem a desenvolver sistemas bipartidários. Nessa situação, um partido pode conquistar a maioria das cadeiras do parlamento com uma maioria muito pequena de votos ou até, devido às diferenças do número de votantes nos distritos, com a minoria dos votos. No entanto, essa pequena maioria de cadeiras dá a esse partido o poder sobre todo o ministério.
Em contraste, nos países onde predomina o modelo consensual de democracia os cargos no ministério são divididos entre os partidos com maior expressão. Na Suíça, os três maiores partidos ocupam as sete vagas do Conselho Federal, segundo uma fórmula aprovada em 1959, respeitada a proporção dos grupos linguísticos na população. Na Bélgica, a participação isonômica dos grupos linguísticos está prevista na lei e desde 1980 todos os governos são coalizões de quatro a seis partidos.

Relações entre Executivo e Legislativo com dominância do Executivo versus relações equilibradas entre os Poderes
Nos países exemplo do modelo majoritário, o sistema é parlamentarista. Em tese, portanto, a Câmara predomina sobre o gabinete e pode derrubá-lo por meio de um voto de desconfiança. Na realidade, porém, o gabinete é formado pela maioria e reúne as principais lideranças do partido majoritário. Na operação cotidiana do sistema, a iniciativa cabe ao gabinete, que mantém uma relação de dominância em relação ao Legislativo.
Em contraste, na Suíça, os membros do Conselho Federal são eleitos individualmente, com um mandato fixo de quatro anos. O Legislativo não pode destituí-los, de modo que vigora uma situação de separação de poderes rígida. Na Bélgica o sistema é parlamentarista, mas como os gabinetes são de coalizão, sua situação é mais vulnerável e não se verifica a relação de dominância característica dos sistemas bipartidários.

Sistemas Bipartidários versus Sistemas Multipartidários
Sistemas bipartidários são afins com o modelo majoritário de democracia, uma vez que dividem o campo da política, por definição em maioria e minoria. No entanto, são capazes de representar satisfatoriamente a diversidade de posições relevantes da sociedade somente em circunstâncias muito especiais: alto grau de homogeneidade ideológica da sociedade, no qual as diferenças se concentram numa dimensão, normalmente a econômica. Assim ocorre no Reino Unido, onde a diferença entre os partidos Conservador e Trabalhista se restringe à política econômica. Mesmo no Reino Unido, a diversificação política da sociedade empurra o sistema para uma situação de três partidos, como ocorre hoje.
Na Suíça e na Bélgica, a diferenciação religiosa e linguística não se deixa representar por um sistema de dois partidos. Assim, na Suíça, 15 partidos têm assento no Legislativo e os quatro mais importantes participam do Conselho. Na Bélgica, os três partidos nacionais tradicionais, dividiram-se a partir da língua e outros partidos menores surgiram depois disso.
Sistemas Eleitorais Majoritários e desproporcionais versus Representação Proporcional
O voto majoritário em distritos uninominais é o sistema com maior afinidade com o modelo majoritário de democracia. Entrega o poder de formação do governo ao partido que obtém a primeira maioria.
O exame das eleições inglesas mostra que o partido vencedor, encarregado da formação do governo, nunca obteve, entre 1974 e 1999, mais de 44 % dos votos. Em 1974, o Partido Trabalhista conseguiu a maioria das cadeiras com apenas 39 % dos votos.
Em contraste, a Suíça e a Bélgica adotam a representação proporcional, que procura reproduzir, na medida do possível, na Câmara, a mesma distribuição de posições políticas que se observa no eleitorado como um todo.
As relações entre maioria e minoria no modelo majoritário de democracia são caracterizadas pela competição e pelo conflito, restando espaço para a cooperação só em situações de emergência, como a guerra, que produziu gabinetes de união nacional. As mesmas relações se reproduzem na dinâmica da interação dos grupos de interesses entre si, principalmente as grandes centrais de sindicatos laborais e patronais, e entre eles e o Estado. Esse é o padrão que prevalece na história britânica recente, que atingiu seu extremo nas duas décadas conservadoras após 1979.
Em contraste, o corporativismo é caracterizado pela predominância de relações de negociação e cooperação dos grupos de interesse entre si e com o Estado. Suas características mais evidentes são a concentração dos grupos de interesse em poucas e grandes associações, o protagonismo das organizações de cúpula do sistema e a concertação tripartite, ou seja, a construção de grandes acordos periódicos entre governo, empresários e trabalhadores que envolvem salários, emprego e condições de trabalho. Todas essas características são encontradas na Suíça e na Bélgica.

Diferenças na dimensão Federal-Unitária
   Nesta unidade, vamos tratar das diferenças na dimensão federal-unitária e suas articulações com:
  • As Constituições (flexíveis x rígidas);
  • o Governo (centralizado x descentralizado);
  • o Poder Legislativo (unicameralismo x bicameralismo);
  • o Poder Judiciário (vigência ou não de mecanismos de revisão judicial);
  • o Poder Executivo (independência ou não do Banco Central).

A organização unitária do governo é característica dos países que praticam o modelo majoritário de democracia. O Reino Unido é um país unitário e tradicionalmente um dos mais centralizados do mundo. Governos locais existem, mas são criados pelo governo central e dele dependem financeiramente.
O melhor exemplo foi o governo autônomo que governou a Irlanda do norte entre 1921 e 1972. Nesse ano, contudo, uma decisão da Câmara dos Comuns, por maioria simples, decretou o fim do governo autônomo e sua substituição pelo governo direto de Londres.
A Suíça é uma federação, na qual o poder é dividido entre o governo central e os governos dos cantões e sub-cantões. A Bélgica, um país unitário e centralizado até 1970, caminha desde então para a federação e a descentralização. A federação foi legalmente reconhecida em 1993 e reúne simultaneamente, três áreas geográficas e três comunidades linguísticas.
O Reino Unido foge, de certo modo, do tipo ideal de democracia majoritária nesse ponto, pois adota o bicameralismo. No entanto, a Câmara dos Lordes perdeu toda função legislativa, exceto a de retardar a vigência das leis aprovadas pela Câmara dos Comuns, pelo prazo máximo de um ano. A maior parte dos poderes anteriores dos Lordes foi perdida na reforma de 1911 e, em 1949, o prazo máximo de postergação da vigência das leis caiu de 2 para um ano. Mesmo esse poder, na prática, poucas vezes é utilizado.
Na Suíça, o Conselho Nacional e o Conselho dos Estados (equivalente ao Senado) são equipotentes, a regra da eleição dos membros do Conselho dos Estados é o voto majoritário, ao contrário da representação proporcional que vigora para o Conselho Nacional. O bicameralismo é forte.
Na Bélgica, Câmara e Senado têm poderes semelhantes, mas o Senado, apesar de obrigatoriamente representar os grupos lingüísticos, ainda é eleito de maneira proporcional. O bicameralismo belga é mais fraco que o suíço.
Não existe no Reino Unido uma constituição escrita. Direitos dos cidadãos e competências de cada instituição governamental estão definidos em algumas leis fundamentais, na legislação ordinária, nos costumes e convenções. Em decorrência disso, essa constituição não escrita é absolutamente flexível, pois pode ser alterada por maioria simples na Câmara.
Contrariamente, tanto a Bélgica quanto a Suíça obedecem a constituições escritas. A modificação da constituição, nos dois países depende de maiorias qualificadas.
A Suíça exige a aprovação em referendo, com maioria nacional e nos cantões mais importantes. Na prática, a população dos cantões menores, um quinto da população total, tem poder de veto sobre as emendas à constituição.
Na Bélgica são necessários dois terços das duas Casas do Legislativo. Algumas leis exigem, além disso, maioria nos dois grandes grupos linguísticos, o que dá à minoria francófona poder de veto sobre elas.
Sem constituição escrita, o Reino Unido não tem mecanismo de revisão judicial. Não há uma corte encarregada de aferir, quando provocada, a constitucionalidade de uma lei aprovada pela Câmara. A própria Câmara, isto é, a maioria, decide não só a constitucionalidade de alguma lei, mas o próprio significado do que seja constitucional.
Escapando nesse ponto do modelo, o Tribunal federal suíço não detém o poder de fazer a revisão judicial à luz da constituição. Na Bélgica, a partir de 1988, os poderes da Corte de Arbitragem foram ampliados e ela opera hoje como um tribunal constitucional.
O Banco da Inglaterra manteve historicamente uma situação de dependência em relação ao gabinete. Apenas em 1997, o recém eleito governo trabalhista concedeu ao Banco autonomia para definir a taxa de juros.
Na Suíça, é tradicional a independência do Banco Central. A Bélgica transitou, a partir da década de 1990, de uma situação de fraqueza do seu Banco Nacional para o alto nível de autonomia que existe hoje.

Perspectivas
É difícil identificar linhas de mudança similares em países que vivem situações muito díspares no que se refere à democracia. Apesar das sucessivas ondas de democratização que diversos autores identificam na história recente, cujo ponto alto mais recente foram as mudanças ocorridas no leste europeu, persiste no mundo uma situação extremamente desigual no que respeita à solidez democrática.
É importante sempre lembrar que Lijphart identifica e descreve os modelos majoritário e consensual em contextos de democracia consolidada. Feita a ressalva, é possível especular com a hipótese, sempre sujeita à verificação, da predominância tendencial da democracia consensual.
No mundo globalizado, as diferenças extrapolam o campo econômico e se expandem pelas dimensões étnicas, linguísticas, religiosas e de estilo de vida. Garantir a voz e a participação das minorias torna-se, cada vez mais, exigência para a vida política comum. Não por acaso, as reformas políticas realizadas nos últimos vinte anos apontam para a desconcentração do poder e o aumento do poder de veto de grupos minoritários, a expansão do bicameralismo e o fortalecimento da tendência no rumo da autonomia dos Bancos Centrais. O futuro, da forma como o vemos hoje, parece estar nessa direção.

  • Ministérios de coalizão
  • Equilíbrio nas relações entre os poderes
  • Sistemas multipartidários
  • Voto proporcional
  • Grupos de interesse organizados de forma corporativa e não competitiva


 Conclusão
Vimos neste Módulo que, a coexistência no mundo moderno de concepções diferentes de democracia, que podem ser ordenadas ao longo de um contínuo que vai da democracia majoritária à democracia consensual.
De maneira sintética, a democracia majoritária está preocupada com a definição de alguma maioria, por reduzida que seja, que viabilize um governo majoritário. Por sua vez, o foco da democracia consensual é a partilha cada vez maior do poder, com a ampliação permanente do número daqueles que o exercem.
Essas diferenças não se manifestam apenas nas teorias da democracia, mas principalmente nos arranjos institucionais nos quais a regra democrática se materializa. No plano das relações entre o Poder Executivo, os partidos políticos e os grupos de interesse, a democracia majoritária guarda afinidade com ministérios unipartidários, predomínio do Poder Executivo sobre o Legislativo, sistemas bipartidários, voto majoritário e pluralismo e competição entre os grupos de interesses. Por sua vez, a democracia consensual mostra afinidade com ministérios de coalizão, equilíbrio nas relações entre os poderes, sistemas multipartidários, voto proporcional e grupos de interesse organizados de forma corporativa e não competitiva.

No plano das diferenças entre as organizações unitária e federada, a democracia majoritária tem afinidade com o governo unitário e centralizado, o unicameralismo, a flexibilidade da constituição, a ausência de mecanismos de revisão constitucional e com a subordinação do Banco Central às decisões da maioria. A democracia consensual, por sua vez, tem afinidade com a organização federativa do governo, com o bicameralismo, a rigidez da constituição, a presença de mecanismos de revisão judicial e a independência do Banco Central.

  • Governo unitário
  • Governo centralizado
  • Governo unicameral
  • Constituição flexível
  • Ausência de mecanismos de revisão judicial
  • Subordinação do Banco Central
  • Governo federativo
  • Governo descentralizado
  • Governo bicameral
  • Constituição rígida
  • Presença de mecanismos de revisão judicial
  • Independência do Banco Central

Odemir Silva
Licenciado em Ciências Sociais
Pós Graduado em Filosofia

sábado, 9 de maio de 2015

As Metamorfoses do Sistema Representativo



 Por Odemir Silva

Desde a segunda metade do século XIX, o sistema representativo passou por mudanças profundas, que Manin agrupa em torno de duas grandes metamorfoses. A primeira delas marcou, no final do século XIX, a passagem da democracia de notáveis, denominada por ele de parlamentarianismo, para a democracia de partidos. A segunda representou o fim da democracia de partidos e o surgimento de um tipo de democracia que o autor qualifica como de auditório.
Três observações são importantes para compreender a tipologia de sistemas representativos que Manin elabora:

A primeira remete ao fato que os tipos construídos são tipos ideais, no sentido weberiano do termo. Ou seja, são construções conceituais que reúnem um conjunto de características, enfatizadas, com afinidade lógica entre si. Sua utilidade reside na comparação com casos empiricamente observados que apresentam quase sempre uma mistura de traços presentes em diversos tipos.

A segunda refere-se à inspiração histórica da tipologia. É evidente que os tipos foram inspirados numa sequência histórica determinada, o desenvolvimento do sistema representativo nos países ocidentais nos séculos XIX e XX. Podemos usar a tipologia para analisar a evolução concreta do sistema em determinado país. Mas também podemos usá-la para a compreensão de um determinado sistema presente, sem considerar seu desenvolvimento histórico.

A terceira diz respeito ao fundamento empírico da tipologia. Manin não criou os argumentos e justificações que caracterizam cada tipo. Todos são produtos dos teóricos do sistema em cada período histórico, mas há boas razões para supor que os atores do sistema, representados e representantes, compartilhavam a crença na validade desses argumentos.

Tipologia de sistemas representativos elaborados por Manin:
 
  1- Remete ao fato que os tipos construídos são tipos ideais, no sentido weberiano do termo;
  2- refere-se à inspiração histórica da tipologia; e
  3- diz respeito ao fundamento empírico da tipologia.

Para melhor compreender a natureza de cada um desses tipos e as razões das mudanças que vinculam um ao outro, vamos descrevê-los a partir dos quatro princípios mencionados anteriormente, quais sejam: os governantes são selecionados por meio de eleições regulares; as decisões dos governantes mantém algum grau de independência em relação à vontade dos representados; os representados podem manifestar livremente suas opiniões; as decisões são submetidas a debate público.
A consolidação do sistema representativo, primeiro no Reino Unido, depois nos demais países da Europa, ocorreu sob duas condições institucionais que determinaram seu formato inicial: o voto distrital uninominal como regra eleitoral e o voto censitário, ou seja, a restrição do direito de voto aos detentores de propriedade e renda. Em decorrência dessas condições, o número de eleitores era pequeno e concentrado por localidade. Não havia, nem eram necessários, partidos fora do parlamento. 
No que diz respeito à eleição dos representantes, a escolha dos eleitores tinha como fundamento a confiança pessoal dos representados nos seus representantes e o resultado eleitoral expressava a rede de relações locais dos candidatos. O político por excelência era o líder local, o notável.
A autonomia parcial ou relativa dos representantes manifestava-se na defesa apaixonada do voto de consciência dos deputados no parlamento. A autonomia do parlamentar era condição da legitimidade do sistema e deveria estar acima até mesmo dos compromissos partidários. Como consequência, a opinião pública, livre, não coincidia necessariamente com a expressão eleitoral da vontade do eleitor. Em outras palavras, os eleitores votavam segundo motivações pessoais, em vizinhos de sua confiança. Os grandes temas de confronto político não eram objeto das campanhas eleitorais e os cidadãos tomavam suas posições sobre eles participando de reuniões e assinando petições. Era frequente o conflito entre opinião pública e parlamento. Finalmente, o espaço para a livre discussão era o próprio parlamento, no qual deputados eram, como vimos, livres para mudar suas posições iniciais, para convencerem e serem convencidos pelo debate.

A partir da segunda metade do século XIX, a ampliação progressiva do direito de voto, primeiro até o sufrágio universal masculino, depois para o voto das mulheres, produziu uma nova situação que pôs fim à democracia dos notáveis. Para organizar e mobilizar o novo eleitorado, surgiram os partidos políticos, que logo se tornaram partidos de massa, definidos conforme critérios ideológicos que refletiam, normalmente, as divisões de classe presentes na sociedade. O sistema eleitoral com mais afinidade ao novo modelo foi o voto proporcional, que, adotado pela primeira vez em 1900, espalhou-se com sucesso em poucos anos. Na nova fase do sistema representativo, a quantidade de representados tornou impossível o conhecimento pessoal e, consequentemente, a confiança pessoal no representante. A eleição passou a expressar a lealdade dos eleitores a um determinado partido. O resultado eleitoral tornou-se expressão política, embora indireta, da estrutura de classes e a figura central da política deslocou-se do notável para o militante, o agitador e o burocrata do partido. A autonomia parcial dos representantes ganhou nova face: manifestou-se na liberdade das lideranças partidárias de definir as prioridades na plataforma do partido apresentada aos eleitores. A opinião pública tendeu a reproduzir as divisões partidárias, uma vez que a maior parte da imprensa escrita foi tomada por jornais de partidos. Com isso, a coincidência entre opinião pública e opinião partidária passou a ser a tendência dominante. O debate público retirou-se do parlamento, uma vez que deputados tinham, sempre que necessário, seu voto vinculado à posição definida por seu partido. Como disse o líder social-democrata alemão Kautsky, o deputado não era mais que a voz do partido no parlamento. O debate passou a acontecer no âmbito da discussão interna de cada partido, das negociações entre os partidos fora do parlamento, e nas conversas mantidas pelos governos com grupos de interesse organizados, como sindicatos de trabalhadores e organizações representativas de setores empresariais. O uso dos meios de comunicação de massas nas campanhas eleitorais, a partir das últimas décadas do século XX, veio alterar profundamente esse quadro. O rádio, a televisão e depois, com muito mais intensidade, todos os recursos da internet, de certa maneira restabeleceram o contato direto entre representante e representado, esquecido desde o fim da era dos notáveis. Partidos e suas burocracias, por muitas décadas os mediadores dessa relação, perderam  desde então importância, a ponto de se falar, novamente, numa crise profunda do próprio sistema representativo de governo.

Na democracia de audiência retorna, portanto, o elemento da confiança pessoal como decisivo da escolha do eleitor. Ao invés de uma escolha partidária previamente determinada, de motivação classista, o eleitor sente-se livre para responder a um leque de ofertas que as diferentes campanhas apresentam.
Seu voto passa a ser flutuante e a figura central da política passa a ser a do perito de mídia nas suas várias formas: o marqueteiro, o especialista em pesquisas de opinião, o candidato com talento midiático.
A autonomia relativa dos representantes se manifesta na indeterminação das propostas de campanha. As imagens públicas dos candidatos definem o resultado, de modo que as plataformas podem ser vagas o suficiente para manter uma larga margem de liberdade para os eleitos. A retração dos partidos, por sua vez, levou à separação entre a opinião pública e sua expressão eleitoral. A imprensa escrita, falada e televisiva ganha autonomia em relação aos partidos. Ganha importância também a manifestação da opinião pública por meio de pesquisas de opinião. A diferença em relação ao modelo anterior fica clara na comparação entre o caso Dreyfus, na França, na passagem dos séculos XIX e XX, e o caso Watergate, nos Estados Unidos dos anos 1970. Nesse último, a mídia não partidarizada permitiu que todos concordassem sobre os fatos, embora discordassem na avaliação deles. No caso francês, a partidarização da imprensa fez com que os próprios fatos não fossem objeto de consenso entre os dois campos que se formaram. Finalmente, o espaço do debate desloca-se novamente: agora passa a ocorrer debate nas negociações entre governo e grupos de interesse, de um lado, e, de outro, o debate na mídia, no qual os antagonistas procuram capturar a simpatia do eleitor flutuante, não mais vinculado, a priori, a um determinado partido por sua origem ou situação de classe.

Conclusão
Vimos neste Módulo que, a principal característica do Sistema Representativo é o monopólio das decisões políticas nas mãos de representantes eleitos pelo povo. Vimos ainda que ao longo da história quatro princípios do sistema mantiveram-se constantes: a seleção dos governantes por meio de eleições regulares, a autonomia relativa dos representantes em relação a seus representados, a vigência do direito à livre manifestação dos representados e a realização de um debate aberto prévio à tomada da decisão. Discutimos, finalmente, as metamorfoses do sistema ao longo de sua história: a passagem da democracia de notáveis para a democracia de partidos e, já avançado o século XX, a passagem da democracia de partidos para a democracia de audiência ou de auditório.